Policia Militar: greve, testemunho, desabafo

Policia Militar: greve, testemunho, desabafo
 

09 de fevereiro de 2012

Do ex-comandante geral da POlicia Militar de Santa Catarina, coronel Paulo Roberto Fagundes de Freitas, sobre a greve dos policiais militares e a baderna jurídica e politica que se registra na Bahia, via e-mail:


” Prezado amigo jornalista Moacir Pereira


Tenho acompanhado com muita tristeza e preocupação os abomináveis acontecimentos envolvendo policiais militares baianos. Até porque lembram-me os não menos condenáveis comportamentos de parcela de policiais militares catarinenses, que ao final de 2008 desconheceram a hierarquia e a disciplina, sublevando-se contra seu superiores, fechando quartéis, etc., como forma de buscar seus interesses, mas escrevendo uma das páginas mais negras da hístória da sesquicentenária Polícia Militar de nosso Estado. Esse ano, em discutível decisão, buscando um entendimento e reaproximação entre oficiais e praças, e mais, solucionando sério problema que tirava o sono do Sr Governador, os amotinados foram anistiados. O tempo, senhor da razão, haverá de dizer do acerto ou não da decisão. Acho, no meu modesto entender, mas calcado em minha experiência profissional adquirida ao longo de minha carreira miliciana, que , como diz o dito popular ” esconderam o sol com peneira”,ou ainda, ” continuaram resolvendo o vazamento da torneira, enxugando o chão da cozinha”. Mas, como hoje dizem na caserna, explicando mas não justificando o assunto: ” Os tempos são outros”. Será??!!
A verdade é que temos visto tais comportamentos disseminarem-se em todo o País, como numa onda “tsunâmica”, nada respeitando! Assim foi anos atrás em Minas Gerais, em outros Estados do Nordeste, agora na Bahia, e preocupante: quase por contágio, ontem já anunciava-se indicativo de greve no Rio de Janeiro e Distrito Federal, e esse último tendo a melhor tabela salarial dentre as Policias Militares!
Entretanto, caro jornalista Moacir, essa atual situação, que já não pode ser considerada pontual, merece uma outra leitura, que dificilmente é feita quando da análise do grave problema, seja pelos governantes, políticos, estudiosos e mesmo pela mídia.
A greve é proibida aos policiais militares ? Sim, a Constituição Federal é clara quando diz em seu texto que aos militares é vedado a sindicalização e a greve. A alegação é que fere a disciplina e a hierarquia e, principalmente, por ser temerária uma greve promovida por servidores que portam armas, em séria ameaça à própria população. Correto? Sim, também concordo, à exemplo de todos quanto se manifestam na mídia sobre o assunto, sejam juristas, sociólogos, cientistas políticos, jornalistas, outros policiais militares, etc.
Só não concordo – e aqui reside a tal leitura que nunca é feita quando da eclosão de tais acontecimentos – que não se levante à discussão o fato de que a classe policial militar tem sido refém de seus próprios valores, dogmas, princípios e limitações legais, a saber e respectivamente : disciplina, hierarquia, regulamentos e leis peculiares e, por último a Constituição Federal, como já vimos anteriormente. E agora vem o pior, o mais grave, o mais preocupante, e por que não dizer , o mais odioso. Há muitos e muitos anos, quem sabe até por toda a existência da Polícias Militares, os Governantes, os Políticos valeram-se dessas proibições, dessa limitações regulamentares e legais para sufocarem, para calarem, para inibirem a classe policial militar, na base do ” tem que aceitarem o que propusermos ou até nada ( como muitas vezes ocorreu!), afinal, não podem fazer greve, tem que respeitar a disciplina e a hierarquia, etc.” Nunca, em tempo algum, tiveram a consciência de que deveriam buscar outras formas de atender as nossa reivindicações, exatamente por possuirmos essa condição diferenciada, que nos impede de agir como qualquer outro servidor público, até como os policiais civis, que também portando armas, realizam suas greves, sem questionamentos!
E, esse cenário ganhou cores mais fortes após a redemocratização do Brasil, quando com a nova ordem legal o instituto da greve foi autorizado para todas as categorias de trabalhadores e servidores públicos, embora regulamentadas( ou nem tanto!!), menos , como já vimos, para os militares. O que antes, no período chamado de exceção ou ditatorial, era proibido à todos e combatido até com violência, agora só é proibido aos militares!
E, o que se vem assistindo desde então?
Assiste-se, em todo País, greves pipocando em todos os setores, mesmo nos chamados essenciais onde nenhuma limitação é respeitada, e, não raro, os grevistas de algum modo alcançando seus objetivos, visto que em nosso País, infelizmente, Governantes e Políticos, nessas situações (e até em outras, convenhamos!!) só funcionam sob pressão e temerosos de perderem seus preciosos votos e o poder.
Por óbvias razões, como até cansativamente já expus, tal não acontece com os policiais militares, que reféns de suas condicionantes, veem-se de mãos atadas, impotentes e dependentes somente de seus superiores, aí incluidos os Governantes, e da boa ( ou má , como de costume!) vontade desses, na busca de seus interesses. No máximo reuniões de entidades representativas com prepostos dos governantes, ou mesmo com políticos, onde impera o embuste, a enrolação,o “vamos ver”, etc. Coisas que não se repetem se no outro lado da mesa estiverem outros servidores , mormente se forem de outro Poder! Já participei de muitas dessa reuniões, fosse como Comandante Geral, como Presidente do Clube dos Oficiais ou mais recente, já na Reserva Remunerada à convite de nossas Associações. Posso afirmar que a sensação não foi nada confortável, com o auto controle tendo que ser exercitado em todo o tempo, face aos argumentos apresentados, as desculpas dadas e até a desfaçatez de alguns no trato do assunto!
E hoje, meu caro Moacir, exigindo-se nível superior para ingresso como soldado, caso de nossa PM, pergunto: Podem os Governantes e Políticos continuarem tratando os policiais militares como sempre trataram, ou seja, com descaso, com desconsideração, aproveitando-se das limitações legais e regulamentares desses, tornando-os reféns desse odioso estado de coisas??!!
Ou deveriam buscar outras alternativas que levassem pelo menos em consideração as peculiaridades da classe??!!
Pergunto mais: Como segurar na instituição, sem a flutuação de efetivo que na atualidade já se observa, essa geração atual que ingressa na PM com qualificação superior, e que espera uma contrapartida do Estado, pelo menos que lhe permita sentir-se valorizado, com boas perspectivas de vida futura com dignidade??!!
Fácil perceber que , mantido o atual cenário onde campeia o desrespeito, a desconsideração, o descaso, a discriminação e até o preconceito, poucos desses que hoje ingressam ficarão na Corporação, observando como estão, seguramente, e com outra visão política e social, os acontecimentos e os comportamentos de nossos , com raras e honrosas exceções, despreparados Governantes e Políticos. E, tal flutuação de efetivo acarretará sérios prejuízos e gastos maiores ao Estado ao ter que repor as perdas ( o que não vem fazendo há muito tempo!), aí considerando os custos com recrutamento, seleção, formação, etc., o que não sai barato, posso afirmar com absoluto conhecimento de causa!!
Destarte, prezado amigo Moacir, o que acontece na Bahia, já aconteceu aqui, em Minas Gerais , em outros Estados, e que garantida e infelizmente vai ocorrer em outros Estados, embora condenável sob todos os aspectos, mormente os relacionados com a violência e desrespeito as instituições e a sociedade, não pode ser colocada, a responsabilidade, somente nos ombros dos amotinados, dos indisciplinados, que no fundo, em razão do tratamento que sempre tiveram , não deixam de ser vítimas de um processo lento, gradual, viciado, irresponsável, conduzido por Governantes e Políticos por demais conhecidos em suas formas de agir, não só nessa área da segurança pública, mas em todos os segmentos da vida pública ,eivada de vícios, de corrupção, de verdadeiro deboche à sociedade, que pasma, impotente, anestesiada, assiste um escândalo a cada dia, abarrotando as pautas da mídia.
Consecução do BEM COMUM……………..nem pensar!!!!
Assim, prezado amigo, sublinho o que já manifestei no início: Alguma leituras, diferentes das habituais precisam ser feitas, até com urgência, para que os verdadeiros mentores, os verdadeiros responsáveis, que não são de hoje, sejam identificados perante a opinião pública, de sorte que possamos em conjunto desmistificar situações que há continuar, em nada contribuirão para a segurança pública que a sociedade brasileira deseja e merece!! O tecido social, mais do que ameaçado, está a exigir mudanças radicais nesse processo hipócrita!!!
Não considere um desabafo, embora também o seja, mas a manifestação de quem vivenciou problemas muito parecidos, frustrou-se por não ter conseguido resolver alguns, conviveu com a hipocrisia , com a tergiversação, e teve, dolorosamente, a sensação do idealismo sucumbir diante da impotência gerada por um sistema nada republicano.
E hoje continuamos a presenciar a imensa existência , não de republicanos………..mas de republicidas!!!!
Só para ilustrar : Um dos líderes do movimento grevista da Polícia Militar baiana, ao saber que o Governador Wagner daquele Estado disse que o líder do movimento deveria ser colocado numa prisão de segurança máxima, teria se manifestado assim :” Interessante, há alguns anos atrás o Governador Wagner patrocinava movimentos como esse “. Verdade ou não, mas se for, a manifestação é no mínimo sintomática!
Parafraseio, mais uma vez, Martin Luther King: ” O que me preocupa não é o barulho dos maus, mas o silêncio dos bons”

 

Um fraternal e miliciano abraço

 

Paulo Roberto Fagundes de Freitas
Cel RR PMSC Ex- Comandante Geral”.

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