ABAIXO SEGUE MANIFESTAÇÃO DO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE REFERENTE AO INGRESSO NO QUADRO DE OFICIAIS AUXILIARES:
Excelentíssimo senhor ministro presidente do supremo tribunal federal
O Procurador-Geral da República, com fundamento no artigo 103, inciso VI, da Constituição da República, vem, perante esse Colendo Supremo Tribunal Federal, ajuizar AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, em face do artigo 6º, parágrafo único, do artigo 8º e artigo 9º, da Lei Complementar nº 51/01, do Estado de Roraima, porquanto contrária ao disposto no artigo 37, inciso II da Constituição da República.
2. Eis o teor do referido dispositivo estadual:
?Art. 6º O ingresso no Quadro de Oficiais Policiais Militares ? QOPM, dar-se-á no posto de 2º Tenente PM por ato do Governador do Estado, após aprovação no Curso de Formação de Oficiais e o devido estágio probatório como Aspirante-a-Oficial PM.
Parágrafo único. Para ingressar no quadro especificado no caput deste artigo será obrigatório que seja policial militar com o Curso de Formação de Soldado realizado na Polícia Militar do Estado de Roraima.
(…)
Art. 8º O ingresso no Quadro de Oficiais de Administração Policiais Militares dar-se-á no posto de 2º Tenente PM, por ato do Governador do Estado de Roraima, mediante processo seletivo interno, com exigência de ensino médio, entre os Subtenentes oriundos do Quadro de Praças Policiais Militares, após a conclusão, com aproveitamento, do Curso de Habilitação de Oficial.
Art. 9º O ingresso no Quadro Auxiliar de Oficiais Policiais Militares dar-se-á no posto de 2º Tenente PM, por ato do Governador do Estado de Roraima, através de processo seletivo interno, com exigência de curso superior nas áreas de ciências jurídicas e sociais, com mais de cinco anos de efetivo exercício na Corporação, após a conclusão, com aproveitamento, do Curso de Habilitação de Oficial?(grifo nosso).
3. O presente ajuizamento atende solicitação do Ministério Público do Estado de Roraima. Acompanha o presente um exemplar do ato normativo impugnado, em obediência ao artigo 3o, I, da Lei n.º 9.868/99.
4. O vício de inconstitucionalidade a macular a norma estadual acima transcrita decorre da possibilidade de preenchimento de cargo público permanente ? Quadro Efetivo da Polícia Militar -, sem a devida realização de concurso público, em total dissonância com o disposto no inciso II do art. 37 da Carta Magna, cujo texto se transcreve:
?Art. 37. A administração púbica direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
II ? a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo e comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração
5. Vê-se que a Constituição da República, ao tratar o assunto em comento, não ofereceu dúvida ao exigir a prestação de concurso público para provimento de cargos e empregos públicos. Frise-se que a observância de referida exigência é de caráter obrigatório pelos Estados-membros, haja vista encontrarem-se vinculados aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, neste sentido, vale trazer à colação trechos da manifestação do eminente Ministro Celso de Mello, pronunciada nos autos da ADI nº 248/RJ:
?(…) os Estados-membros encontram-se vinculados, em face de explícita previsão constitucional (art. 37, caput), aos princípios que regem a Administração Pública, dentre os quais ressalta, como vetor condicionante da atividade estatal, a exigência de observância do postulado do concurso público (art. 37, II).
A partir da Constituição de 1988, a imprescindibilidade do certame público não mais se limita a hipótese singular da primeira investidura em cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se as pessoas estatais como regra geral de observância compulsória.
A transformação de cargos e a transferência de servidores para outros cargos ou para categorias funcionais diversas traduzem quando desacompanhadas da prévia realização do concurso público de provas ou de provas e títulos, formas inconstitucionais de provimento no Serviço Público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido. Insuficiência, para esse efeito, da mera prova de títulos e da realização de concurso interno. Ofensa ao princípio da isonomia(…)? (ADI 248/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 08/04/94, pág. 7222).
6. Também na esteira desse entendimento foram as decisões proferidas nos autos das ações diretas de inconstitucionalidade nº 1.854/PI e nº 308/DF, cujas ementas, respectivamente, possuem o seguinte teor:
?EMENTA: I. Delegado de Polícia: designação para o exercício da função de estranhos à carreira : inconstitucionalidade (CF, art. 144, § 4º).
II. Concurso público: não mais restrita a sua exigência ao primeiro provimento de cargo público, reputa-se ofensiva do art. 37, II, CF, toda modalidade de ascensão de cargo de uma carreira ao de outra, a exemplo da promoção por progressão vertical impugnada.
III. ADIn: alteração superveniente do art. 37, II, no qual fundada a argüição, pela EC 19/98: ação direta não prejudicada, pois, segundo o novo art. 37, II, resultante da EC 19/98, o que ficou explicitamente submetido à atureza e a complexidade do cargo ou emprego não foi a exigência do concurso público – parâmetro da presente argüição – mas a disciplina do mesmo concurso.
IV. Polícia Civil: o art. 144, § 4º, da Constituição da República, ao impor sejam elas dirigidas por Delegado de Polícia de carreira, não ilide a integração da instituição policial – que integra a administração direta estadual – à estrutura da Secretaria competente, conforme o direito local, nem retira do Secretário de Estado respectivo o poder normativo secundário que lhe advém do disposto no art. 87, II, da Lei Fundamental, com relação aos Ministros de Estado.? (ADI nº 1.854/PI, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 04.05.01, pág. 2)
?EMENTA: – Acesso de ocupantes de determinadas carreiras (detetives e escrivães) a uma terceira (delegado de policia), assegurado por disposição constitucional estadual transitória, com preterição da exigência de concurso publico (art. 37, II, da CF). Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 79 do ADCT do Rio de Janeiro, tal como já havia sucedido, pela mesma razão, com o art. 80 do mesmo Ato (ADIn 231).? (ADI nº 308/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 04.08.1993, pág. 18374)
7. De fato, é reiterada a orientação dessa Corte Suprema no que se refere à necessidade de realização de certame para o provimento de cargos ou de empregos públicos e, tendo em vista assentado entendimento, a norma ora impugnada, quando permitiu o preenchimento de cargo público de caráter efetivo sem a devida realização do certame público, ofendeu diretamente a norma constitucional em seu inciso II, art. 37.
8. Verificada, pois, a existência do fumus boni juris e consubstanciado o periculum in mora, respectivamente, na não-observância, pelo Estado de Roraima, da obrigatoriedade em se realizar concurso público de provas ou de provas e títulos para se dar a investidura em cargo ou empregos públicos, e na grave lesão ao erário, ante o pagamento indevido de remuneração a servidores efetivados sem a realização de certame, requer o autor seja deferida Medida Cautelar para suspender, até decisão final da ação, a eficácia do artigo 6º, parágrafo único, e dos artigos 8ºe 9º, Lei Complementar nº 51, de 28 de dezembro de 2001, do Estado de Roraima.
9. Requer, ainda, que, após colhidas as informações necessárias e ouvido o Advogado-Geral da União, nos termos do art. 103, § 3º, da Constituição Federal, seja-lhe dada vista dos autos para manifestação a respeito do mérito, pedindo, ao final, seja julgado procedente o pedido, consistente na declaração de inconstitucionalidade do artigo 6º, parágrafo único, e dos artigos 8ºe 9º, Lei Complementar nº 51, de 28 de dezembro de 2001, do Estado de Roraima.
Pede deferimento.
Brasília, 24 de novembro de 2004.
CLAUDIO FONTELES
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
PGR n.º 1.00.000.000568/2003-26