Polícia Militar e as Guardas Municipais

Polícia Militar e as Guardas Municipais


 


RICARDO ALVES DA SILVA


Tenente da Polícia Militar, Chefe do Setor de Trânsito do 14ºBPM, Pós Graduado em Gestão e Segurança no Trânsito UNc,


 


Sumário: 1. Introdução. 2. Competência legislativa municipal em matéria de trânsito. 3. Interesse local ou peculiar interesse dos municípios. 4. Ordem Pública: valor nacional que suplanta o interesse local. 5. Polícia de ordem pública ou polícia administrativa geral e polícia administrativa especial. 6. Polícia de ordem pública e sua polícia de trânsito, como atividade jurídica do Estado. 7. Poder de polícia de trânsito: capacidade indelegável à pessoa jurídica de direito privado. 8. Vinculação da receita proveniente das multas de trânsito. 9. Policiamento ostensivo de trânsito e fiscalização de trânsito. 10. Competência da Polícia Militar para exercer o policiamento ostensivo de trânsito. 11. Abordagem de veículo e registro de acidente de trânsito. 12. Órgãos de trânsito. 13 Considerações Finais.


Este estudo tem por objetivo contrapor a Diretriz 02 do Planejamento Estratégico proposto pelo Cmdo Geral da Corporação, com vistas a Supervisão e coordenação das Guardas Municipais.


 


1. INTRODUÇÃO


A Lei Federal n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, em substituição ao Código Nacional de Trânsito, que muitos achavam inadequado para fazer frente à realidade atual do trânsito no país.


A principal queixa consistia em atribuir à legislação a responsabilidade pelos nossos altos índices de acidentes ? verdadeira guerra a ceifar milhares de vidas e a deixar outro tanto de brasileiros mutilados.


Sempre entendemos que o enfoque excessivamente legalista constituía um equívoco, pois todas as pessoas que tratam de trânsito sabem que essa atividade sustenta-se no seguinte tripé: legislação ou esforço legal, engenharia e educação, sendo esta, na nossa opinião, a principal.


O Código Nacional de Trânsito era uma norma sistemicamente correta, que necessitava ajustes pontuais para a devida atualização. Ao invés disso, optou-se pela adoção de um novo código que sofreu dezenas de vetos cujo alcance só o tempo e a prática demonstrarão.


Neste trabalho, que não tem a pretensão de esgotar o assunto, examinamos, de forma técnica, os principais temas ligados à atuação da Administração Pública, nas três esferas de governo, procurando na exegese sistêmica dirimir algumas dúvidas que a nova lei pode suscitar.


 


2. Competência legislativa municipal em matéria de trânsito


No que respeita à competência legislativa do município, em matéria de trânsito, podemos afirmar, seguramente, não se tratar de matéria de interesse local, haja vista ter sido reservada expressamente e de forma privativa, à União, consoante dispõe o artigo 22, inciso XI, da Constituição da República, quando estabelece:


“Artigo 22. Compete privativamente à União legislar sobre:



XI trânsito e transporte;”


São de ordem legislativa todos os assuntos enumerados que abrangem matérias sobre as quais somente a União poderá legislar. Não poderão os Estados, Municípios e Distrito Federal legislar sobre quaisquer dessas matérias, sob pena de invadir competência exclusiva da União.


Desse mesmo entender é a inteligência do professor José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., revista e ampliada de acordo com a nova Constituição, 4ª tiragem, Malheiros, São Paulo, 1994, p. 439, que ao dissertar sobre a competência legislativa da União assevera:


Toda a matéria de competência da União é suscetível de regulamentação mediante lei (ressalvado o disposto nos arts. 49, 51 e 52), conforme dispõe o artigo 48 da Constituição. Mas os artigos 22 e 24 especificam seu campo de competência legislativa, que consideramos em dois grupos: a exclusiva e a concorrente?.


I – competência legislativa exclusiva sobre:


1º) Direito Administrativo:…


j) trânsito e transporte; ?(grifos nossos)?.


Destarte, não é possível fugir da norma constitucional, e também da doutrina pacífica que versa sobre o assunto, para permitir ao Município ou ao Estado legislar onde essa competência somente cabe à União. E mais, o Poder Público está atrelado ao mandamento legal, não podendo dele se afastar, sob pena de responsabilização do agente público, nas esferas administrativas, penal e civil.


O novo Código de Trânsito não divergiu dessa linha de pensamento e agrupou, no Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, órgão da União (art. 10), todas as competências normativas suplementares à lei federal (art. 12), além de funções de coordenação do Sistema Nacional de Trânsito.


O Município, portanto, não dispõe de nenhuma competência legislativa em matérias que não atinem com o interesse local, como trânsito, transporte coletivo intermunicipal, serviço postal, dentre outras, mesmo quando realizadas no seu território. Pelos mesmos motivos, não lhe cabe legislar e, menos ainda, prestar serviços de policiamento ostensivo de trânsito, competência esta das Polícias Militares, como adiante veremos.


Com efeito, nas responsabilidades legislativas privativas da União, só se admite, excepcionalmente, a atuação de Estados e Municípios, mediante lei complementar e, mesmo assim, sobre questões específicas, conforme faculta o parágrafo único, do artigo 22, do Estatuto Supremo.


As competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios estão elencadas no artigo 23, da Carta Política Federal, cabendo-lhes, consoante os incisos I e XII, a título de exemplo: “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público” e “estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito“, desde que estejam instituídas, em lei complementar, as devidas regras de cooperação conforme estabelece o parágrafo único, do referido artigo, senão vejamos:


“Parágrafo único – Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. 


Note-se que a Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o novo Código de Trânsito Brasileiro, é lei ordinária, portanto imprópria para estabelecer as aludidas regras.


Por fim, no artigo 24 estão as competências legislativas concorrentes da União, dos Estados e do Distrito Federal. O § 1º prescreve que nesse particular cabe à União estabelecer apenas normas gerais, enquanto o § 2º estatui que a competência da União não exclui a competência suplementar dos Estados, e o § 3º, por sua vez, estabelece que, inexistindo normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena. No caso que estamos examinando, há legislação federal e estadual, que foram recepcionadas pela Constituição da República, versando sobre o policiamento ostensivo de trânsito, como mais adiante restará demonstrado.


 


3. Interesse local ou peculiar interesse dos Municípios


Inequivocamente, interesse local é igual a peculiar interesse. Aos Municípios, nos termos do inciso I, do artigo 30, da Lei Maior, cabe dispor sobre assuntos de interesse local:


“Art. 30 – Compete aos Municípios:


I – legislar sobre assuntos de interesse local;”


O Constituinte de 1988 preferiu substituir a tradicional cláusula do peculiar interesse, configurada nas Constituições anteriores, pelo interesse local, sem, contudo, inovar no seu conteúdo. A novidade ocorreu, tão-só, na locução. Assim, interesse local não é outra coisa senão aquele que prepondera, que sobressai, quando confrontado com o do Estado-membro ou com o da União. De sorte que ainda vale a precisa lição do saudoso professor Hely Lopes Meirelles, em seu Direito Municipal Brasileiro, 6ª ed., 1993, Malheiros, p. 98:


“Interesse local não é interesse exclusivo do Município; não é interesse privativo da localidade; não é interesse único dos municípios. Se se exigisse essa exclusividade, essa privatividade, essa unicidade, bem reduzido ficaria o âmbito da Administração local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição. Mesmo porque não há interesse municipal que não o seja reflexamente da União e do Estado-membro, como, também, não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos Municípios, como partes integrantes da Federação brasileira. O que define e caracteriza o ‘interesse local’, inscrito como dogma constitucional, é a predominância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União” (grifos originais).


É, portanto, de pouca ou de nenhuma valia tentar fundar proposta que insinue competência aos Municípios para legislar sobre matéria de trânsito por considerá-la de interesse local. Seguramente, os serviços de trânsito representam atividade relativa à ordem pública, cuja competência legislativa cabe à União e aos Estados-membros conforme se vê no artigo 144, da Lei Maior.


 


4. Ordem pública: valor nacional que suplanta o interesse local


É remansoso o entendimento doutrinário e jurisprudencial que considera a ordem pública um valor nacional, sendo certo que sua guarda a Constituição da República atribui à União (art. 142, in fine) e aos Estados-membros (art. 144, caput e § 5º). Sendo valor nacional, não pode, por conseguinte, ser de interesse local, regulável pelo Município.


Da doutrina, depreende-se com facilidade que o policiamento ostensivo de trânsito e a fiscalização de trânsito, uma de suas formas de atuar para prevenir e reprimir as infrações e evitar acidentes, está vinculada à preservação da ordem pública.


O Egrégio Supremo Tribunal Federal, apreciando o Recurso Extraordinário n. 14.658, de São Paulo, no dia 3 de julho 1950, relatado pelo eminente Ministro Luiz Gallotti, manifestou-se a esse respeito, unanimemente, da seguinte forma:


“… já estabeleceu, com sua inegável autoridade, que a noção de ordem pública é nacional, não obstante a imprópria denominação que, no caso em que se examinava, deram-lhe de internacional” (grifamos).


Bem por isso, quando o condutor de um veículo desobedece ao semáforo ou faz conversão em local proibido, não fere apenas o interesse local. Está, isto sim, atacando e ferindo um valor nacional, integrante da ordem pública e, portanto, afrontando a segurança pública, que é um dos aspectos da ordem pública, cuja preservação cabe à polícia ostensiva.


Nesse mesmo sentido, vêm os ensinamentos de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, oferecidos no Curso de Direito Administrativo, 10ª ed., revista, refundida e atualizada pela Constituição de 1988 e pela legislação infraconstitucional posterior, Forense, Rio de Janeiro, 1992, p. 307, quando afirma:


“A esta altura da exposição, convém sublinhar que a segurança de uma sociedade nacional não é o somatório da segurança de cada indivíduo; trata-se de um conceito referido às instituições nacionais, ao Estado e à sua ordem jurídica, enquanto representarem a justa manifestação dos interesses e aspirações nacionais” (grifamos).


De outro lado, o professor José Afonso da Silva, na sua citada obra, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 659, completa:


“Há, contudo, uma repartição de competências nessa matéria entre a União e os Estados, de tal sorte que o princípio que rege é o de que o problema da segurança pública é de competência e responsabilidade de cada unidade da Federação, tendo em vista as peculiaridades regionais e o fortalecimento do princípio federativo, como, aliás, é da tradição do sistema brasileiro” (grifo original).


Portanto, o serviço de policiamento ostensivo de trânsito, ramo da polícia de preservação de ordem pública, seja nas rodovias estaduais ou municipais ou nas vias urbanas, excetuando-se a competência da União, que é exercida pela Polícia Rodoviária Federal, cabe aos Estados-membros, pois não é predominantemente local, dado destinar-se a coibir a violação da ordem jurídica, a defender a incolumidade do Estado, das pessoas e do patrimônio e a restaurar a normalidade de situações e comportamentos que se opõem a esses valores.


De fato, a quebra da ordem jurídica e os atentados contra o Estado, os indivíduos, o patrimônio e o meio ambiente são comportamentos que repercutem além dos limites do Município, que transcendem suas fronteiras, escapando do interesse predominantemente municipal e determinando, em razão disso, uma outra ordem de competência a cujos integrantes cabe coibi-los.


Clóvis Beznos, Procurador do Estado de São Paulo, a propósito do tema, conclui da seguinte forma o Parecer, publicado na Revista de Direito Público, v. 78, p. 180:


“… mas também pelo fato relevante de que a questão relativa à ordem pública diz respeito ao interesse nacional, não se configurando ipso facto em mero interesse peculiar do município” (grifo original).


 


5. Polícia de ordem pública ou polícia administrativa geral e polícia administrativa especial


A polícia administrativa entendem, pacificamente, os administrativistas nacionais e estrangeiros, divide-se em dois grandes ramos: a polícia geral e a polícia especial, ambas subdivididas em espécies.


A polícia administrativa geral é voltada aos aspectos da ordem pública, que são: segurança, tranqüilidade e salubridade, tendo previsão constitucional e legal, permitindo uma maior flexibilidade à Administração Pública por ser mais propícia à atuação discricionária, daí ter o formato de instituição, exigindo preparo e controle adequados de seus quadros, o que vai desde as condições particulares de ingresso, passando por formação, carreira, deveres e direitos, que lhes permitem exercer o poder soberano do Estado, inclusive usando da força para que a lei se sobreponha e a ordem turbada seja, prontamente, restabelecida.


A polícia administrativa especial, por sua vez, não tem por objeto a ordem pública e dilui-se em múltiplos segmentos, conforme os ramos das atividades particulares que lhe cumpre fiscalizar. Sua previsão legal é muito mais estreita que a da polícia de ordem pública e seu formato não é o de instituição.


Óbvio está, que não devemos esquecer a distinção existente entre a polícia de ordem pública ou polícia administrativa geral e a polícia administrativa especial, pois na primeira enquadram-se dentre outras espécies, a polícia ostensiva de trânsito, tutelando o direito de ir e vir, enquanto que na segunda impõe-se restrições ao uso e gozo da propriedade, à liberdade de comércio, da indústria, do uso e ocupação do solo e de outras iniciativas dos particulares, onde o Estado, necessariamente, impõe limitações. Logicamente, esta não se confundirá com a polícia administrativa geral, seja na ação preventiva ou mesmo na repressiva.


 


6. Polícia de ordem pública e sua polícia de trânsito, como atividade jurídica do Estado


Para a preservação da ordem pública atuará a polícia administrativa geral, sendo um dos seus ramos de atividade o policiamento ostensivo de trânsito. A polícia de ordem pública, em razão da gravidade dos seus objetivos, figura entre as atividades jurídicas do Estado, ou na expressão mais em moda, atividade típica de Estado, por isso exclusiva do Estado, como nos ensina Cardozo de Melo Neto em sua apostila A ação social do Estado, São Paulo, USP, 1917, p. 7.


No mesmo sentido está a lição que Mário Masagão nos oferece, em seu Curso de Direito Administrativo, 6ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, p. 71, quando cuida da descentralização política:


172 – O terceiro setor é o da manutenção da ordem interna e da atividade policial. O assunto é da competência dos Estados. Caberá a União operar nesta matéria somente por exceção, quando impotente o Estado federado para manter a ordem em seu território, a situação se enquadre na de guerra civil, ou impeça o livre exercício de algum dos poderes estaduais; ou ainda na hipótese de o Estado solicitar o auxílio federal”.


José Cretella Júnior, usa a expressão ordem interna com o significado de ordem pública, não havendo dúvida que ambos estão se referindo à atividade policial, própria e exclusiva do Estado, o que se depreende da leitura do Tratado de Direito Administrativo, 1ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1966, v. I, p. 139, que relacionando as atividades jurídicas exercidas pelo Estado destaca:


“A ordem interna do país não pode ser perturbada, sendo tal mister de competência do Estado, que tem por missão assegurar aos cidadãos a possibilidade de uma vida tranqüila, prevenindo e reprimindo os delitos.”


Pelo exposto, não nos resta qualquer tipo de dúvida que, a função de polícia de trânsito, por integrar a polícia de ordem pública, configura-se em atividade jurídica do Estado, sendo-lhe, portanto, exclusiva.


 


7. Poder de polícia de trânsito: capacidade indelegável à pessoa jurídica de direito privado


Uma das inovações trazidas pelo Código de Trânsito Brasileiro, foi a possibilidade de atribuição de poder de polícia administrativa de trânsito aos Municípios, a partir do previsto no artigo 24, incisos VI ao IX, XX e XXI, que lhes permitem fiscalizar, vistoriar, sendo que o verbo vistoriar é sinônimo de fiscalizar, tanto que o Código, no Anexo-I, quando trata dos conceitos e definições, não conceitua nem define vistoria e, também, aplicar penas de polícia nas formas de advertência, multa e medidas administrativas. Atos que emanam do poder de polícia, a rigor, do artigo 24, inciso VI e da definição de fiscalização, artigo 4º e Anexo-I.


Porém, essas competências municipais são condicionadas, nos termos do § 2º, do artigo 24, que diz:


Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no artigo 333 deste Código“.


Por sua vez, o artigo 333 e §§ dispõe:


“Artigo 333 – O CONTRAN estabelecerá, em até 120 (cento e vinte) dias após a nomeação de seus membros, as disposições previstas nos artigos 91 e 92, que terão de ser atendidas pelos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários para exercerem suas competências.


§ 1º. Os órgãos e entidades de trânsito já existentes terão prazo de um ano, após a edição das normas, para se adequarem às novas disposições estabelecidas pelo CONTRAN, conforme disposto neste artigo.


§ 2º. Os órgãos e entidades de trânsito a serem criados exercerão as competências previstas neste Código em cumprimento às exigências estabelecidas pelo CONTRAN, conforme disposto neste artigo, acompanhados pelo respectivo CETRAN, se órgão ou entidade municipal, ou CONTRAN, se órgão ou entidade estadual, do Distrito Federal ou da União, passando a integrar o Sistema Nacional de Trânsito”.


Dos artigos 91 e 92, que fechavam este ciclo de remissões, foi vetado o 92, restando o artigo 91, com a seguinte redação:


“Artigo 91 – O CONTRAN estabelecerá as normas e regulamentos a serem adotados em todo o território nacional quando da implementação das soluções adotadas pela Engenharia de Tráfego, assim como padrões a serem praticados por todos os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito”.


Em resumo, o exercício das atribuições executivas do Município, prevista no artigo 24, do Código, dependerá: dele estar integrado ao Sistema Nacional de Trânsito (art. 24, § 2º); de atender às normas, regulamentos e padrões estabelecidos pelo CONTRAN (art. 333 e art. 91); de exercer as competências em cumprimento às exigências estabelecidas pelo CONTRAN (art. 333, § 2º); e de submeter suas atividades de trânsito ao acompanhamento e coordenação do Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN (art. 333, § 2º e art. 14, VIII).


Assim, a competência municipal, quase que delegada, é condicionada e supervisionada pela União, além de acompanhada e coordenada pelo Estado-membro. Esta foi a forma que ganhou a propalada municipalização do trânsito, uma panacéia, cuja inviabilidade sempre sustentamos e sustentaremos, pelas razões alinhadas ao longo deste trabalho.


Considerando que o Município cumpra as exigências supra descritas e se habilite a fiscalizar e punir as infrações de circulação, estacionamento, parada, excesso de peso, dimensões e lotação, que lhe permite os incisos VI a VIII, do artigo 24, do novo Código de Trânsito, atos esses todos decorrentes do poder de polícia administrativa de trânsito, mesmo assim restará submetido aos parâmetros impostos ao poder de polícia de ordem pública.


Em gênero, Caio Tácito explica, no Poder de Polícia e seus Limites, publicado na Revista de Direito Administrativo 27/1, que:


“O poder de polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais”.


Entenda-se que os Municípios tinham, apenas, poder de polícia especial, nos exatos termos da lei, cabendo-lhes agora, obedecidas as condições acima examinadas, exercer parte do poder de polícia de trânsito, para fiscalizar e punir aquelas infrações, segundo lhes permite o Código de Trânsito.


É sempre oportuna a transcrição de excerto da matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, de 30 de agosto de 1991, da lavra do desembargador paulista Álvaro Lazzarini, onde restou clara a obrigatoriedade do exercício do poder de polícia por órgão da Administração direta:


Se no sistema constitucional vigente, como nos anteriores, à União compete, privativamente, legislar sobre matéria de trânsito, além de dispor sobre as suas infrações e sanções de polícia de trânsito, evidentemente que a ela compete prever de quem é a competência (atribuição) para o legal exercício do Poder de Polícia, no caso, eminentemente de polícia administrativa, como é a Polícia de Trânsito, pois infração de trânsito não se confunde com infração penal, esta sim de interesse da denominada polícia judiciária (nosso Direito Administrativo da Ordem Pública, 2ª ed., Forense, p. 28).


A fiscalização de trânsito, que integra o conceito de policiamento de trânsito, bem por isso só pode ser exercida pela Administração pública enquanto poder público, e não como particular (Ruy Cirne Lima, Princípios de Direito Administrativo, 5ª ed., p. 107; Jean Rivero, Direito Administrativo, 1981, p. 15; Régis Fernandes de Oliveira, Taxas de Polícia, 1980, p. 32).


Cretella Júnior salienta que o primeiro elemento de obrigatória presença é a fonte de que provém o Poder de Polícia, a existência da polícia, do policiamento: ?O Estado, ficando, pois, de lado qualquer proteção de natureza particular? (Tratado, vol. V, Polícia Administrativa, 1ª ed., p. 30).


Aliás, conclusiva é a afirmação do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto em seu Curso de Direito Administrativo, p. 85, assim proferida:


“Em regra, cabe ao próprio Estado, em seus desdobramentos políticos e administrativos, executar as atividades de Administração pública. Tão volumosa e diversificada é, porém, essa tarefa demandada de um Estado contemporâneo, que passou a ser comum a transferência a entidades privadas dos encargos de execução, mediante instrumentos jurídicos de delegação.?


A doutrina considera que certas atividades são, todavia, indelegáveis: as denominadas atividades jurídicas do Estado, que lhe são próprias e impostas como condição necessária de sua existência. As demais, delegáveis, são as chamadas atividades sociais ou impróprias, que são cometidas ao Estado na medida em que ao legislador pareçam úteis à sociedade, embora não sejam fundamentais à sua preservação.


No campo do poder de polícia, só há atividades próprias.


Não existe, portanto, qualquer possibilidade de delegação do poder de polícia de trânsito a empresas paraestatais ou da administração indireta. O exercício desse poder administrativo do Estado é uma de suas atividades jurídicas exclusivas e, de forma alguma, poderá ser feito por entidade que congregue capital ou interesse particular, muito menos por intermédio de seus agentes, por não restar vínculo direto e estrito com o Poder Público.


Disso não divergiu o Código de Trânsito, conforme se depreende do exame do veto ao § 4º, do artigo 1º, quando dizia:


“A exigência de que o Sistema Nacional de Trânsito seja composto por entidades dotadas de personalidade jurídica própria constitui uma limitação, que, além de afrontar o disposto no art. 61, § 1º, inc. II, alínea e, da Constituição, restringe, em demasia, o poder de conformação da União e dos Estados-membros na estruturação e organização desse serviço.”


Personalidade jurídica própria, para exercer fiscalização, somente poderia ser a de direito público, mas ao falar em administração indireta a regra tornou-se intrinsecamente conflitante, obrigando, por essa razão, ao veto.


Se o poder de polícia de trânsito e suas exteriorizações, a fiscalização e a punição, pelas razões enunciadas e à evidência são próprias do poder público e nos limites da lei, qualquer tentativa de delegá-lo a paraestatais só poderá ser considerada ilegal, sujeitando-se o dirigente do órgão público à responsabilidade penal, civil e administrativa.


Qualquer ação estatal, sem o correspondente calço legal ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica; expõe-se à anulação e torna seu autor passível de responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme já o atacado anteriormente.


Assim, o exercício do poder de polícia de trânsito pelos Municípios terá de ser feito por seus órgãos ou por suas entidades, na forma de fundações ou autarquias, todos pessoas jurídicas de direito público, submetidas aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dentre outros.


Cumpre dizer, também, que além do poder de polícia ser indiscutivelmente da essência do Estado, no caso do trânsito ressalta, dentre os princípios da administração, o da moralidade. Todos sabemos e os condutores já sentiram na pele o que significa a indústria da multa, instalada pelo Poder Público em alguns Municípios, como maneira de buscar recursos para os seus cofres. Imagine-se a mesma indústria na mão de particulares com a finalidade de auferir lucro.


Importante trazer a baila importante reportagem publicada em 06 de Maio do corrente, o Jornal da Tarde veiculou matéria sob o título: INDÚSTRIA DE MULTA NA MIRA DO MP, onde o vereador Arselino Tatto estaria representando ao Ministério Público do Estado contra a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), com o objetivo de se apurar abuso em aplicação de multas.


O vereador afiança que:


“É estarrecedor o aumento no número das multas. Isso virou uma indústria”.


Na mesma matéria, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Viário denuncia a pressão que os empregados da CET, que são carinhosamente chamados de “marronzinhos”, estão sofrendo, no sentido de que multem pelos menos 40 (quarenta) veículos por dia.


Por esse motivo específico, o próprio vereador Arselino Tatto arremata, concluindo que:


“O aumento na aplicação de multas visa somente arrecadar mais dinheiro para cobrir o rombo no caixa da Prefeitura”.


Não podemos e nem devemos admitir que a própria Comunidade sinta e sofra, na pele, a ânsia dessa indústria de multa, que somente tem por objetivo o arrecadar e, por via de conseqüência, suprir o orçamento de determinadas Secretarias que fazem parte do corpo do Executivo Municipal que repassa, na proporção prevista, parte da arrecadação das multas.


Nesse sentido vem a lição do saudoso professor Hely Lopes Meirelles, publicada no Direito Administrativo Brasileiro, 17. ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, Malheiros, 1992, p. 84, ao descrever a moralidade administrativa:


“E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de Direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto;…” (grifamos).


Claro está que permitir à administração indireta, às sociedades anônimas, às pessoas jurídicas de direito privado, enfim, aos particulares, ainda que parcialmente, utilizarem-se do poder de polícia de trânsito, que é poder de império do Estado, cuja sanção é unilateral, externa e interventiva, para aplicar e arrecadar multas que reverterão em lucros ou dividendos a esses mesmos particulares, não pode ser legal e jamais será considerado honesto, moral e ético. Pelo contrário, tratar-se-á de autêntica aberração contra a qual a Sociedade precisa ficar alerta, tendo em vista que interessados nesse abuso não faltam.


Tanto que alguns juristas têm elaborado pareceres no sentido de que o poder de polícia, em casos específicos e sobre áreas bem definidas, que estariam no âmbito do poder de polícia administrativa especial, poderia ser delegado a empresas paraestatais, o que, no nosso entender, configura uma absoluta impropriedade, por minar os fundamentos do Poder Público.


Essa linha de pensamento só pode pretender que se autorize a delegação do poder de polícia em matéria de polícia administrativa especial, nas atividades sociais; não poderia ser estendida às atividades jurídicas, de tutela de direitos, que são próprias do Estado, pois só ele, de por si, é capaz de garanti-las.


Ainda que acatássemos a tese da delegabilidade do poder de polícia especial, de forma alguma poderia ela ser aplicada à fiscalização de trânsito que, como já demonstramos, é matéria de polícia administrativa geral, posto que referente à ordem pública, necessariamente, atividade jurídica do Estado.


Por certo, o Estado que delegasse aos particulares tão essenciais funções, ou ainda, que os deixasse organizar tais serviços como bem lhes parecesse, não teria mais razão de existir, confessada, como estaria, sua absoluta incapacidade para o cumprimento das atribuições que lhe são exclusivas.


De forma geral, o Poder Judiciário tem entendido que todo poder de polícia, seja ele de polícia administrativa geral ou especial, é indelegável a particular, ainda que empresa paraestatal.


A propósito vem a Apelação n. 275.612, da Comarca de Piracicaba, Sexta Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil (JTACSP, Saraiva, 1972, p. 100/102), em cujo aresto ficou consignado:


Mas, na sua defesa, a requerida argumenta, com vantagem, que inexistiu propriamente recusa à participação nos atos de fiscalização. Ocorre que a Prefeitura firmara contrato com empresa de consultoria e assessoria, com a finalidade de aumentar a arrecadação do ISS; os prepostos dessa empresa, contudo, ao invés de se dedicarem a trabalhos de assessoria, passaram a executar tarefas que por definição legal são atribuídas com exclusividade a funcionários, ou agentes fiscais, valendo-se, para assim proceder, de um credenciamento fornecido pela Prefeitura” (grifamos).


Para arrematar, reafirmamos que poder de polícia não pode ir para as mãos de particulares, mesmo quando organizados de maneira empresarial e associados ao Poder Público, não havendo para isso artifício legal, em face de sua flagrante inconstitucionalidade.


 


8. Vinculação da receita proveniente das multas de trânsito


Regra da maior importância constitui o artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro:


“A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.


Parágrafo único – O percentual de 5% (cinco por cento) do valor das multas arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito“.


Trata-se da vinculação do total da receita proveniente das multas de trânsito com as atividades ligadas diretamente ao trânsito, impedindo seu remanejamento para outras áreas de interesse do Governo, ato tão a gosto de nossos governantes.


Portanto, a partir da entrada em vigor do novo Código, o recurso oriundo de multa de trânsito haverá de ser revertido, exclusivamente, em benefício do trânsito.


À exceção do fundo nacional de segurança e educação de trânsito, que tem seu percentual fixado (5%), as demais atividades de trânsito: sinalização, engenharia, policiamento, fiscalização e educação terão seus percentuais determinados segundo a legislação de cada ente estatal. Note-se que a todas essas atividades deverão ser destinadas recursos e não a apenas algumas, em detrimento das outras.


Em relação ao policiamento ostensivo de trânsito ocorre situação peculiar porque as multas de circulação, parada e estacionamento, excesso de peso, dimensões e lotação aplicadas pela Polícia Militar, no âmbito das vias municipais, reverterão aos cofres do Município, pois a Corporação não tem como arrecadá-las,exceto através de Convênio, embora tenha direito a que parte da receita seja destinada ao policiamento, na forma de repasse. Na verdade, esse direito é do Estado-membro, ao qual pertence a Polícia Militar.


Daí nosso entendimento de que as regras para o respectivo repasse deverão ser feitas por intermédio de lei estadual, disciplinando a matéria de maneira uniforme em todo o Estado, não vislumbrando a invasão de competência, haja vista que a lei ordinária federal, que é o instrumento que exteriorizou o novo Código de Trânsito Brasileiro, obrigou que parte da arrecadação terá de ser repassada e aplicada no policiamento.


Por esses motivos, constatamos que a própria vinculação da receita das multas, com o policiamento ostensivo de trânsito, já veio definida e está expressa no artigo 320, do novo Código e abrange toda e qualquer multa, sem que haja distinção com referência ao tipo ou quem seja a autoridade competente que a aplicou.


Ora, quem executa o serviço de policiamento é o Estado-membro, portanto, ele é quem tem de conhecer sobre os reais custos do serviço prestado. Em sendo direito do Estado-membro, não resta ao Município qualquer competência legislativa neste particular, estando assim suplantada pela do Estado no que concerne, especificamente, ao tal custo do serviço.


Deixar a cada Município fixar o percentual de recursos a ser repassado para o policiamento, competência do Estado-membro, não nos parece a melhor alternativa, em razão da quantidade e da disparidade de intenções dos Municípios.


 


9. Policiamento ostensivo de trânsito e fiscalização de trânsito


Policiamento é exercício regular do poder de polícia, que compete à Administração Pública, não existindo propriamente diferenças entre policiamento e fiscalização. A fiscalização de trânsito é apenas um dos modos de atuação do agente público quando põe em prática o poder de polícia. Não é, como se possa interpretar, um outro poder de polícia.


Com peculiar clareza, o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto (obra citada, p. 295) explica que:


“O poder de polícia atua de quatro modos: pela ordem de polícia, pelo conhecimento de polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia” 


E continua mais adiante (obra citada, p. 297):


“Segue-se a fiscalização de polícia. Ela se fará tanto para a verificação do cumprimento das ordens de polícia quanto para observar se não estão ocorrendo abusos nas utilizações de bens e nas atividades privadas que receberam consentimentos de polícia. Sua utilidade é dupla: primeiramente, realiza a prevenção das infrações pela observação do cumprimento, pelos administrados, das ordens e dos consentimentos de polícia; em segundo lugar, prepara a repressão das infrações pela constatação formal dos atos infringentes”


No trabalho A Segurança Pública na Constituição, Revista de Informação Legislativa, n. 109, Brasília, Senado Federal, janeiro/março 1991, p. 147, o professor e procurador do Estado do Rio de Janeiro Diogo de Figueiredo Moreira Neto foi mais fundo na questão, ao afirmar que:


“A fiscalização de polícia é uma forma ordinária e inafastável de atuação administrativa, através da qual se verifica o cumprimento da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já consentida por uma licença ou uma autorização. A fiscalização pode ser ex-ofício ou provocada. No caso específico da atuação da polícia de preservação da ordem pública, é que toma o nome de policiamento” 


O Código de Trânsito, em seu Anexo-I, cuja aplicação advém do artigo 4º, apresentou definições distintas para fiscalização:


“ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, através do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências definidas neste Código” (grifamos).


Para policiamento ostensivo de trânsito:


“função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes” (grifamos).


Note-se que, para o Código, fiscalizar é controlar, pois este foi o verbo central da definição. Verbo, todos nós sabemos, exprime ação ou estado das coisas. Por sua vez, a definição de policiamento trouxe, em lugar do verbo, o substantivo função.


Ora, mas como se processa a ação do policiamento? Onde está o verbo que exprimiria essa ação?


Está evidentemente implícito que é o verbo fiscalizar ou controlar. Na verdade faltou, ao legislador, precisão na construção gramatical, o que não impede uma exegese correta, a partir da doutrina, da jurisprudência e, principalmente, da comparação com os demais diplomas legais, conforme veremos mais adiante.


Combinando a definição de fiscalização com outros dispositivos do Código (art. 21, VIII, IX e XIII; art. 24, VI, VIII, IX e XX), verificamos que a intenção do legislador foi a de limitar a aplicação do poder de polícia. Nesses casos, a fiscalização de trânsito e a conseqüente sanção somente se aplicariam às infrações de circulação, estacionamento, parada, excesso de peso, dimensões, lotação, emissão de poluentes e ruídos, isso se considerarmos fiscalização nas vias públicas (art. 2º). Porém, existe, também, outros campo de fiscalização de trânsito, relativo a processos de formação, habilitação, aperfeiçoamento e reciclagem de condutores (art. 22, II), bem como as vistorias e inspeções para emplacar e licenciar veículos, todas estas feitas em repartições públicas, por instrumentos burocráticos.


Num plano mais amplo está o policiamento ostensivo de trânsito, atividade para qual o legislador fixou, no Código, quatro objetivos, a saber:


1º) prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública;


 2º) garantir a obediência às normas relativas à segurança de trânsito;


 3º) assegurar a livre circulação e


4º) evitar acidentes.


A consecução desses objetivos inclui, obrigatoriamente, a fiscalização de trânsito nas vias públicas retro descrita, agregada a outros controles, como: o estado de conservação do veículo e seus equipamentos obrigatórios; as condições legais e físicas do condutor; a revista no interior do veículo; a busca pessoal em seus ocupantes, se for o caso, e o envolvimento em acidentes ou ilícitos penais. Enfim, um aglomerado de atos interligados que não podem sofrer solução de continuidade, e, por força disso, a boa doutrina manda não dividir.


Portanto, o policiamento ostensivo de trânsito inclui a fiscalização das infrações de trânsito praticadas nas vias públicas e demais atos de polícia relativos ao trânsito, componentes do conjunto de medidas destinado, diretamente, a manter íntegra a ordem pública.


A fiscalização que é tratada pelo artigo 23, inciso III, e para a qual teria de ser celebrado convênio, seguramente, não abrange a realizada nas vias públicas, pois essa é inerente ao policiamento ostensivo de trânsito, referindo-se ao outro tipo de fiscalização voltada, especificamente, para aspectos do trânsito que afetem, indiretamente, a ordem pública, conforme encontramos no artigo 22, inciso II, do novo Código.


Em resumo, fica claro que o espírito do novo Código de Trânsito Brasileiro, nessa matéria é: quem é competente para policiamento ostensivo de trânsito atua de forma ampla, enquanto quem é competente para a fiscalização atua, especificamente, em determinada parte da atividade, segundo estabelece o próprio Código.


 


10. COMPETÊNCIA DA POLÍCIA MILITAR PARA EXERCER O POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO


Quando se fala em competência, vem logo à mente a lição do festejado professor Caio Tácito, O Abuso do Poder Administrativo no Brasil – conceitos e remédios, co-edição do Departamento Administrativo do Serviço Público e Instituto Brasileiro de Ciências Administrativas, Rio de Janeiro, 1959, p. 27, assim oferecida:


A primeira condição de legalidade é a competência do agente. Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua, em relação a cada função pública, a forma e o momento do exercício da atribuição do cargo. Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito. A competência é, sempre, um elemento vinculado, objetivamente fixado pelo legislador“.


Ainda, nesse particular, cabe trazer à colação a afirmativa segura do saudoso professor Teófilo Cavalcanti Filho, estampada no Boletim do Interior, v. 29, p. 31, publicação da Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, manifestada nestes termos:


E quando se trata de matéria de competência, não se ignora, tem-se que levar sempre em conta o que a norma legal dispõe”.


Pois bem. Vejamos então o que diz a lei sobre a competência das Polícias Militares, começando pelo artigo 144, caput, inciso V e § 5º, da Carta Política federal:


“Artigo 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:



V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.



§ 5º – Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;…”.


Agora, no plano infraconstitucional, o Decreto-Lei federal n. 667, de 2 de julho de 1969, com as alterações efetuadas pelos Decretos-Leis federais de ns. 1.406, de 24 de junho de 1975 e 2.010, de 12 de janeiro de 1983, que reorganizou as Polícias Militares, em seu artigo 3º, letra a, assegura-lhe o policiamento geral:


“Artigo 3º- Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:


a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;” (grifamos).


Na seqüência, o seu Regulamento, que é o Decreto Federal n. 88.777, de 30 de setembro de 1983, especifica os tipos de policiamento ostensivo existentes, entre eles o de trânsito e rodoviário:


“Artigo 2º – Para efeito do Decreto-Lei n. 667, de 2 de julho de 1969, … são estabelecidos os seguintes conceitos:



21 – Ordem Pública: conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo Poder de Polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum;



27 – Policiamento Ostensivo: ação policial, exclusiva das Polícias Militares, em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.


São tipos desse policiamento, a cargo das Polícias Militares, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, os seguintes:


– de trânsito;



-rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais;…”(grifamos)


Em nosso Estado, a Constituição prevê através do art 105 o seguinte:


Art. 105 – A segurança publica, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e exercida para a preservação da ordem publica e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:


I – Policia Civil;


II – Policia Militar.


Parágrafo único – A lei disciplinara a organização, a competência, o funcionamento e os efetivos dos órgãos responsáveis pela segurança publica do Estado, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.


Art. 106 – A Policia Civil, dirigida por delegado de policia, subordina-se ao Governador do Estado, cabendo-lhe:


§1º “O Chefe da Polícia Civil, nomeado pelo Governador, será escolhido dentre os delegados de polícia”.


I – ressalvada a competência da União, as funções de policia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares;


II – a policia técnico-cientifica;


III – a execução dos serviços administrativos de transito;


IV – a supervisão dos serviços de segurança privada;


V – o controle da propriedade e uso de armas, munições, explosivos e outros produtos controlados;


VI – a fiscalização de jogos e diversões públicas.


§ 1º – O chefe da Policia Civil, nomeado pelo Governador do Estado, será escolhido dentre os delegados de final de carreira. ADIN 952 ? 4 (§ 1º do Art. 106 -“final de”)


Liminar indeferida.


§ 2º – Lei complementar disporá sobre o ingresso, garantias, remuneração, organização e estruturação das carreiras da Policia Civil.


§ 3º – Os cargos da Policia Civil serão organizados em escala vertical, de forma a assegurar adequada proporcionalidade de remuneração das diversas carreiras com a de delegado de policia.


Art. 107 – À Policia Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, alem de outras atribuições estabelecidas em lei:


I – exercer a policia ostensiva relacionada com:


a preservação da ordem e da segurança publica;


o radio patrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial;


o patrulhamento rodoviário;


a guarda e a fiscalização do transito urbano;


a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais;


a policia judiciaria militar;


a proteção do meio ambiente;


 


A hipótese aqui analisada não demonstra qualquer antinomia entre a regra geral, que é no caso o Código de Trânsito Brasileiro, e as regras especiais, que são o Decreto-Lei n. 667/69; o Decreto n. 88.777/83 e a Lei n. 616/74, até porque todas elas contemplam, como figura jurídica, o policiamento ostensivo de trânsito.


Assim, a lei posterior em matéria de competência das Polícias Militares para exercerem o policiamento de trânsito confirmou, simplesmente, toda a legislação pré-existente.


 


11. ABORDAGEM DE VEÍCULO E REGISTRO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO


A abordagem de veículos, precedida de ordem de parada, com a finalidade de fiscalizar as condições físicas e documentais de condutores e dos próprios veículos, continua sendo atribuição exclusiva da Polícia, seja das Polícias Militares (art. 4º, anexo I, policiamento ostensivo de trânsito) ou da Polícia Rodoviária Federal (art. 20, II). Inclui-se aqui a realização de teste de dosagem de alcoolemia, cuja obrigatoriedade é de duvidosa constitucionalidade e a perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (art. 269, IX).


O mesmo se aplica à busca pessoal nos ocupantes e no próprio veículo, ato vinculado ao Decreto-Lei federal n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, artigo 244 e em consonância com o restante do Ordenamento Jurídico brasileiro.


Os bloqueios nas vias públicas, usual tática usada pela Polícia, permanece incluída no rol de suas capacidades funcionais exclusivas, a rigor da infração capitulada no artigo 210, do novo Código:


“Transpor, sem autorização, bloqueio viário policial: infração gravíssima;”.


O Código de Trânsito Brasileiro pouco inovou neste aspecto, permitindo a abordagem de veículo por agente público municipal competente, apenas e tão somente no tocante à fiscalização de excesso de peso e dimensões (art. 24, III), as quais, certamente, exijam tal providência. No mais, encontrando ou suspeitando de outra infração, administrativa ou penal, que requeira abordagem, terá de valer-se da ação policial.


Quanto ao registro de acidentes e infrações penais de trânsito, também continua sendo próprio das atribuições da Polícia. Nesse ponto, consideramos compatível com o novo Código e por isso, está em vigor a Lei Federal n. 5.970, de 11 de dezembro de 1973, que disciplina o registro de acidentes de trânsito. Daí o disposto no artigo 176, inciso V, do Código de Trânsito:


“Artigo 176 – Deixar o condutor envolvido em acidente com vítima:


….


V – de identificar-se ao policial e de lhe prestar informações necessárias à confecção do boletim de ocorrência: infração ? gravíssima”.


Evidente que esta pessoa estaria, ainda, em tese, incorrendo no crime de desobediência, por não ter atendido à determinação legal de funcionário público, conforme tipifica o artigo 330 do Código Penal Brasileiro.


 


12. ÓRGÃOS DE TRÂNSITO


O Código de Trânsito Brasileiro prevê quatro tipos de órgãos: 1º) os normativos ? consultivos e coordenadores; 2º) os executivos de trânsito e rodoviários; 3º) os policiais e 4º) os recursais. Esse conjunto de órgãos, preenchidas as condições legais, formam o Sistema Nacional de Trânsito.


Os órgãos normativos que são consultivos e de coordenação, foram perfeitamente definidos pelo Código, como é o caso do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN (art. 7º, I e art. 10), dos Conselhos Estaduais de Trânsito – CETRAN e do Conselho de Trânsito do Distrito Federal – CONTRANDIFE (art. 7º, II e art. 14). O mesmo ocorreu, em relação aos órgãos policiais, prevendo a Polícia Rodoviária Federal (art. 7º, V e art. 20) e as Polícias Militares (art. 7º, VI, art. 23 e art. 4º, Anexo-I, policiamento ostensivo de trânsito). Os órgãos recursais ficaram definidos na forma de Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI.


O que o Código não fixou foram os órgãos executivos de trânsito e executivos rodoviários. Para esses, o legislador deixou à União e às Unidades Federativas a tarefa de organizá-los, quando dispõe no artigo 8º que:


Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os respectivos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo os limites circunscricionais de suas atuações.”


No caso da União cumpre observar o artigo 7º, incisos III e IV:


“Artigo 7º – Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:



III – os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;


IV – os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”


Note-se que podem ser vários órgãos executivos, pois o rol de atribuições que lhes cabe (art. 19, art. 21 e art. 24) é extenso; assim, nada impede a divisão dessas atribuições, desde que fixados os limites de atuação de cada órgão observando o disciplinamento regulamentar.


Tais órgãos podem pertencer à Administração direta ou mesmo indireta, no caso destes, conforme explicamos longamente. A ressalva seria a impossibilidade de atribuir-lhes poder de polícia para a fiscalização do trânsito.


A distribuição das atribuições pelos órgãos executivos de trânsito poderá ser feita, inclusive, por decreto, de vez que configura organização interna do Poder Executivo. Bem por isso a União já o fez, em relação ao Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, por intermédio do Decreto Federal n. 2.351, de 17 de outubro de 1997.


A extensão de atribuições executivas de trânsito, no âmbito da mesma esfera de poder, é possível também à Polícia Rodoviária Federal e às Polícias Militares, órgãos da Administração Direta, recomendando-se, apenas, que tais atribuições sejam coerentes com as atividades de patrulhamento e policiamento ostensivo de trânsito exercidas, respectivamente, por essas Corporações.


 


13.CONSIDERAÇÕES FINAIS


A Constituição Federal estabelece que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida, dentre outras, notadamente, pelas polícias civis e militares, para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio e que os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.


Disciplinando a admissão de pessoal, para o exercício de cargos públicos, a Carta Magna estabelece que a investidura em cargo público depende de aprovação em concurso público, vedada, salvo exceções, a acumulação de cargos públicos. Por sua vez, o Código de Trânsito Brasileiro estabelece (art. 280, § 4º) que o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração de trânsito poderá ser servidor público civil, estatutário ou celetista, ou ainda policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.


Não obstante as normas legais, retro citadas, determinadas Prefeituras, orientadas, talvez, pela autoridade de trânsito (Secretário de Trânsito, Diretor de Departamento de Trânsito, ou de Transporte, geralmente, dada a natureza do cargo, engenheiros), vêm, através de uma interpretação literal e, ainda, incorreta, do disposto no art. 280, § 4º, do Código de Trânsito Brasileiro e sob a alegação de que o serviço de trânsito foi municipalizado, designando guardas municipais para exercer a função de agente de trânsito. Mas isso é uma heresia jurídica.


À autoridade de trânsito não é dado designar guarda municipal para desempenhar a função de agente de trânsito, pois este não é policial militar, e muito menos para lavrar auto de infração. O agente de trânsito competente para lavrar auto de infração de trânsito só pode ser (numa interpretação sistemática do disposto no § 4º, do art. 280, do CTB, frente à Constituição Federal) servidor público concursado para cargo de agente de trânsito; criado por lei, com atribuições específicas, com número certo e estipêndio correspondente, ou um policial militar, designado pela autoridade de trânsito municipal, se houver convênio com o Estado, mas nunca guarda municipal, vez que este foi concursado e admitido para exercer a função de patrulheiro, sob pena de usurpação de função. Quem pode ser designado pela autoridade de trânsito é o policial militar e não o servidor público, mesmo porque este não é designado, mas, sim, admitido, bem como, porque a conjunção alternativa ou (constante do § 4º, do art. 280, do CTB) exclui qualquer outra interpretação. Caso contrário, chegar-se-ia ao absurdo de ser designado um médico, um dentista, um engenheiro, um advogado, etc., para o cargo de agente de trânsito, desde que servidores públicos. Sendo, desse modo, nula de pleno direito a designação de Guarda Municipal para exercer a função de agente de trânsito, bem como nulos os autos de infrações lavrados pelos referidos guardas.


Suas atribuições devem limitar-se à proteção dos bens, serviços e instalações públicas e de cooperação com a segurança pública (dever de todos) e, via de conseqüência, de orientação do trânsito e proteção às pessoas e de seus bens, por ser uma das facetas do interesse local (art. 30, CF), cujo interesse em questão de segurança pública, não obstante a autonomia dos Municípios, está delimitado pela expressão no que couber, contida no inciso II, do art. 30, da Constituição Federal, vez que a disciplina da segurança pública está afeta à União concorrentemente com os Estados, pelo que à Guarda Municipal não é dado substituir a polícia militar e muito menos o agente de trânsito.


É o que se dessume do sistema normativo em vigor, que se não observado poderá acarretar prejuízos de grande monta ao erário público, inclusive, com devolução dos valores das multas de trânsito arrecadadas arbitrariamente, relacionadas com a lavratura dos autos de infrações, homologação, aplicação de penalidades, julgamento e instalações indiscriminadas de radares, com objetivos estranhos à administração de trânsito.


Quando as multas aplicadas pelas guardas municipais entendemos que as mesmas são inconstitucionais e ilegais, vez que:


Nos termos do disposto no § 8º, do art. 144, da Constituição Federal “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei” e nada mais. Tudo o mais é usurpação de função. 


Além do mais os guardas municipais, embora municipalizado o trânsito, não podem ser designados agentes de trânsito. Quem pode ser designado agente de trânsito, nos termos do disposto no § 4º, do art. 280, do CTB (que dispõe que: “o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.”), é o policial militar e não o servidor civil. É o que dispõe a norma do CTB supra.


O servidor civil não é designado, mas, sim, nomeado, ou seja, só poderá exercer o cargo de agente de trânsito, se for concursado para desempenhar dita atividade, quando então será nomeado e não designado, pois só o policial militar poderá ser designado agente de trânsito. Tanto é verdade que a norma do § 4º, do art. 280, do CTB, fala em designado e não em designados. Quem é designado, pela autoridade de trânsito (que só poderá ser estadual) com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência, é o policial militar e não o servidor civil. Mesmo porque a autoridade de trânsito municipal não tem competência para designar agente de trânsito ou policial militar, o que vem confirmar que o termo ?designado?, no singular, antecedido da conjunção “ou” e do advérbio “ainda”, refere-se ao policial militar e não ao servidor civil; bem como, porque só poderá ser designado quem exerce atividade afim, sob pena de burla ao princípio constitucional de que a investidura em cargo ou emprego público se dá mediante concurso (inc. II, art. 37, CF).


Desse modo, a Administração Pública Municipal só poderá ter agente de trânsito mediante criação dos cargos e preenchimento por concurso e não por simples designação de servidor municipal; sendo ilegal, por contrariar o CTB, a lei municipal que designar guarda ou autorizar a designação de guarda municipal para exercer o cargo de agente de trânsito. Além do mais, o legislador ordinário, ao estabelecer a norma do § 4º, do art. 280, do CTB, foi (dada a interpretação equivocada do termo regime jurídico único, que, apesar de só poder ser o estatutário, muitos entendiam poder ser também o celetista) levado a inserir na referida norma o termo “celetista“, mas que, atualmente, por força da Emenda Constitucional nº 19/98, só poderá ser o servidor público titular de cargo efetivo (estatutário), vez que o servidor celetista não é titular de cargo público, mas, sim, de emprego, pelo que não pode, ainda que concursado, exercer a função de agente de trânsito. Estando, desse modo, revogada, em parte, no nosso entender, a referida norma do § 4º, do art. 280, do CTB. É o que se dessume de uma interpretação sistemática da referida norma, em confronto com os arts. 37, 39 e 40 da Constituição Federal.


Ante o exposto, forçoso é concluir que os guardas municipais não podem exercer a função de agente de trânsito. Sendo nulas de pleno direito as multas por eles lavradas;


            Com relação às atividades da Guarda Municipal:            O saudoso Prof. Hely Lopes Meirelles ministra que: “compete a ela o policiamento administrativo da cidade, especialmente dos parques e jardins, dos edifícios e museus, onde a ação dos predadores do patrimônio público se mostra mais danosa? (Direito Municipal, 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, p. 516).”


O Eminente Desembargador Álvaro Lazarini, do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, analisando as atividades da Guarda Municipal de (……..), nos autos do processo de habeas corpus nº 63.981.0/7, fez a seguinte observação: “…… Cessada , assim, eventual coação, a ordem encontra-se prejudicada. Todavia grave fato está documentado nestes autos e merece apuração…… Não é de competência da Guarda Municipal tal atividade por força do artigo 144, § 8º, da Constituição Federal e artigo 145 da Constituição Estadual, inclusive, violando todos os princípios a admissão de que a GAMA – Guarda Municipal de (………) mantenha celas em suas dependências…..”


            Diante de tudo que foi acima exposto sou do parecer de  que o Comando Geral da Corporação não incentive a criação de Guardas Municipais, até que se tenha um dispositiva Constitucional que ampare tal atividade.


            Importa por derradeiro ressaltar que diante de toda a crise que atravessa nosso Estado, e a clara intenção de que busque recursos para sobrevivência desta mais que sesquicentenária Instituição, dividir o quantun que hoje é arrecadado com atividades que clara e comprovadamente, são inconstitucionais, apenas para dar a sensação de segurança, é sem dúvida a trilha para colapso total da PMSC.

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