MANIFESTAÇÃO DA AGU NA ADIN/3354-9/600 – INGRESSO NO Q.O.A.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3354-9/600


Requerente: Procurador-Geral da República


Requerido: Governador e Assembléia Legislativa do Estado de Roraima


Relator: Ministro Cezar Peluso


 


 


 


EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,


 O Advogado-Geral da União, em atendimento ao despacho de fl. 76 destes autos, nos termos do art. 103, § 3º, da Constituição da República, e do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.868/99, vem manifestar-se acerca da presente ação direta de inconstitucionalidade.


 


1. DA AÇÃO DIRETA



                  Trata-se de ação direta, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, objetivando a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 6o, parágrafo único, 8o e 9o, todos da Lei Complementar no 51, de 28 de dezembro de 2001, do Estado de Roraima, que ?dispõe sobre a Carreira, Remuneração e o Quadro de Organização e Distribuição do Efetivo da Polícia Militar do Estado de Roraima, e dá outras providências?, por alegada ofensa ao artigo 37, inciso II, da Carta da República.


 


Prescrevem os dispositivos impugnados, in verbis:


 ?Art. 6o. O ingresso no Quadro de Oficiais Policiais Militares ? QOPM, dar-se-á no posto de 2o Tenente PM por ato do Governador do Estado, após aprovação no Curso de Formação de Oficiais e o devido estágio probatório como Aspirante-a-Oficial PM.


Parágrafo único. Para ingressar no quadro especificado no caput deste artigo será obrigatório que seja policial militar com o Curso de Formação de Soldado realizado na Polícia Militar do Estado de Roraima.


Art. 8o. O ingresso no Quadro de Oficiais de Administração Policiais Militares dar-se-á no posto de 2o Tenente PM, por ato do Governador do Estado de Roraima, mediante processo seletivo interno, com exigência de ensino médio, entre os Subtenentes oriundos do Quadro de Praças Policiais Militares, após a conclusão, com aproveitamento, do Curso de Habilitação de Oficial.


Art. 9o. O ingresso no Quadro Auxiliar de Oficiais Policiais Militares dar-se-á no posto de 2o Tenente PM, por ato do Governador do Estado de Roraima, através de processo seletivo, com exigência de curso superior nas áreas de ciências jurídicas e sociais, com mais de cinco anos de efetivo exercício na Corporação, após a conclusão, com aproveitamento, do Curso de Habilitação Oficial.? (grifou-se).


Sustenta o requerente que a norma hostilizada, ao permitir o preenchimento de cargo de caráter efetivo sem a devida realização do certame público, incidiria em violação ao disposto no artigo 37, inciso II, da Lei Maior. 


A Assembléia Legislativa do Estado de Roraima, nas informações de fls. 87-89, alega que ?o acesso inicial é que deve ser público, como efetivamente o é. Uma vez investido mediante Concurso Público o acesso na hierarquia policial/militar passa a ser feita (sic) de forma gradual e sucessiva feito (sic) mediante promoções ou processo seletivo próprio, de acordo com regulamentação específica, proporcionando um fluxo equilibrado da carreira? (fl. 88).


Nas informações de fls. 175-189, o Governador do Estado de Roraima afirma que a exigência de concurso público nos moldes do artigo 37, inciso II, da Carta Magna, afigura-se adstrita tão-somente ao provimento inicial ou originário da carreira, ressaltando que ?para os cargos de Oficiais da Polícia Militar, a exemplo dos Desembargadores (magistratura), dos Procuradores de Justiça (no Ministério Público), o provimento deverá ser feito de forma derivada, ou seja, por transferência, promoção, remoção, acesso, reintegração etc.? (fl. 178).


Por outro lado, salientou a necessidade de se conferir efeito ex nunc a eventual declaração de inconstitucionalidade dos preceitos hostilizados, sob a alegação de que o fato ?poderá comprometer a prestação da segurança pública local, causando prejuízo a toda coletividade? (fl. 181). Sustentou, ademais, que ?a população roraimense estaria fadada a suportar o ônus da formação de novos oficiais, em detrimento dos gastos que a fazenda estadual teria com outras necessidades sociais? (fl. 182).


Vieram, assim, os autos para manifestação do Advogado-Geral da União.


 


2. DO MÉRITO


 Afim de se analisar a constitucionalidade do diploma impugnado, deve-se averiguar quais são as formas legítimas de acesso a cargos na Administração Pública em face da Constituição Federal.


 A doutrina distingue duas espécies de provimento de cargos públicos: a originária ou autônoma, em que a titularização do cargo se opera independentemente de vinculação anterior com o serviço público; e a derivada, em que a ocupação de cargo efetivo dá-se em virtude de ligação pretérita com o serviço estatal.


 O provimento originário, em quaisquer das esferas federativas, assim como no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, deve ser precedido por concurso público – à exceção dos cargos públicos expressamente ressalvados pela Magna Carta, tais como os integrantes da Magistratura nos Tribunais Superiores e os de Ministro (Conselheiro) de Tribunais de Contas -, consoante determina o artigo 37, caput e inciso II, da Constituição da República, cujo teor, após a Emenda Constitucional no 19, de 14 de junho de 1998, passou a ser o seguinte:


 ?Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 


II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;? (grifou-se).


Por outro lado, subdividem-se os provimentos derivados em três grupos, quais sejam: o vertical, que se efetua através de promoção (elevação para classe de nível mais alto dentro da própria carreira); o horizontal, em que o servidor não ascende, nem é rebaixado em sua posição funcional; e por reingresso, que implica retorno do servidor ao serviço ativo do qual estava desligado.  


 O único provimento derivado horizontal permitido é a readaptação que é espécie de transferência para cargo mais compatível com superveniente limitação de capacidade física ou mental do servidor.


 A propósito, distinguem-se quatro espécies constitucionalmente legítimas de provimento derivado por reingresso, a saber: a reversão, que é o retorno do aposentado ao serviço ativo, ex officio ou ?a pedido?, por não subsistirem, ou não mais subsistirem, as razões que lhe determinaram a aposentadoria; o aproveitamento, que é o reingresso de servidor estável até então em disponibilidade ao cargo antes ocupado ou em cargo de equivalentes atribuições e vencimentos compatíveis; a reintegração, que é o retorno de servidor ilegalmente desligado ao seu cargo primitivo, ou, não sendo possível, ao sucedâneo ou equivalente; e a recondução, que é o reingresso de servidor estável ao cargo que antes titularizava, quer por ter sido inabilitado em estágio probatório relativo a outro cargo, quer por ter sido dele desalojado em decorrência de reintegração do ocupante precedente. 


 A alegação dos requeridos, no sentido de que os dispositivos impugnados tratariam de hipótese de provimento derivado, não deve prosperar. Ora, observa-se que a Lei Complementar no 51, de 28 de dezembro de 2001, em seu artigo 5o, estrutura a Polícia Militar do Estado de Roraima em dez quadros distintos, quais sejam: ?Quadro de Oficiais Policiais Militares? (inciso I), ?Quadro de Oficiais Policiais Militares de Saúde? (inciso II), ?Quadro de Oficiais de Administração Policiais Militares? (inciso III), ?Quadro Auxiliar de Oficiais Policiais Militares? (inciso IV), ?Quadro de Praças Especiais Policiais Militares? (inciso V), ?Quadro de Praças Oficiais Policiais Militares? (inciso VI), ?Quadro de Praças Policiais Militares de Saúde? (inciso VII), ?Quadro de Praças Policiais Militares Músicos? (inciso VIII), ?Quadro Especialista de Praças Policiais Militares? (inciso IX) e ?Quadro de Praças Policiais Militares Corneteiros? (inciso X).


 


Nesse ponto, mostram-se pertinentes as observações de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca dos conceitos de quadro, carreira e classe, in verbis:


 ?Os cargos públicos, quanto à sua posição no ?quadro?, classificam-se em (I) de carreira ou (II) isolados.


 Quadro é o conjunto de cargos isolados ou de carreira.


 Os cargos serão (I) de carreira quando encartados em uma série de ?classes? escalonada em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições.


 Classe é o conjunto de cargos da mesma natureza de trabalho.


 Os cargos dizem-se (II) isolados quando previstos sem inserção em carreiras.? [1].


  Cada quadro é composto por cargos (isolados ou de carreira) que possuem atribuições nucleares comuns. A esse respeito, atente-se para as atribuições dos cargos referentes aos dispositivos impugnados, litteris:


 ?Art. 15. O Quadro de Oficiais Policiais Militares será destinado ao exercício, dentre outras, de funções de comando, chefia e direção dos diversos órgãos da Instituição, sendo integrado por oficiais com curso de formação em nível de graduação, realizado em estabelecimento de ensino próprio ou de polícia militar de outra unidade federada.


 Art. 17. O Quadro de Oficiais de Administração Policiais Militares será destinado ao exercício de atividades subsidiárias das funções de comando, chefia e direção dos diversos órgãos da Instituição, sendo integrado por oficiais com Curso de Habilitação de Oficial.


 Art. 18. O Quadro Auxiliar de Oficiais Policiais Militares será destinado ao desempenho de determinadas atividades-meio da Instituição, sendo integrado por oficiais com cursos de graduação em áreas de interesse da corporação.? (grifou-se).


 Com efeito, a transposição de servidores militares de cargo integrante de um quadro para cargo pertencente a outro evidencia flagrante ofensa ao princípio do concurso público. Observa-se que as únicas exceções a esta regra são as mencionadas hipóteses de provimento derivado horizontal (readaptação) e provimento derivado por reingresso, nas modalidades aproveitamento e recondução.


 Nesse sentido, atente-se para a sedimentada jurisprudência dessa Egrégia Corte, esclarecida no voto do Ministro Celso de Mello, na ADI no 1.350, de sua relatoria:


?É de ressaltar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ? refletindo o magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA, ?Curso de Direito Constitucional Positivo?, p. 634, 10a ed., 1995, Malheiros; CELSO RIBEIRO BASTOS, ?Curso de Direito Constitucional?, p. 288, 11a ed., 1989, Saraiva) ? não tem transigido em torno da necessidade de observância, sempre indeclinável, do postulado constitucional do concurso público (ADIn 181-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO; ADIn 766-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO; ADIn 837-DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES; ADIn 1.203-PI, Rel. Min. CELSO DE MELLO; ADIn 1.222-AL, Rel. Min. SYDNEY SANCHES; ADIn. 1.230-DF, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, v.g.).



É por tal razão que esta Suprema Corte ? ante o caráter impostergável desse princípio que faz realizar, em projeção concretizadora, a exigência da isonomia (ADILSON ABREU DALLARI, ?Regime Constitucional dos Servidores Públicos?, p. 37, 2a ed., 1990, RT) – tem censurado a validade constitucional de normas que autorizam, permitem ou viabilizam, independentemente de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, o ingresso originário no serviço estatal ou o provimento em cargos administrativos diversos daqueles para os quais o servidor público foi admitido.  (…)



Em todos esse casos ? e qualquer que fosse o nomen juris adotado – a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, tendo presente a necessidade de preservar a incolumidade do princípio do concurso público, repeliu a utilização dos institutos (a) da ascensão (ADIn 1.345-ES, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, (b) da transferência e/ou transformação de cargos (ADIn 248-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO), (c) da integração funcional (ADIn 1.251-MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO), (d) da transposição de cargo (RTJ 1333/1049, Rel. Min. CÉLIO BORJA), (e) da efetivação extraordinária no cargo (RTJ 132/1072, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), (f) do acesso e aproveitamento (RTJ 144/24, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.? (grifou-se).


A esse respeito, pronunciou-se o Ministro Moreira Alves, no julgamento da ADI no 2.317, ao afirmar, in verbis:


 ?Não mais aludindo a atual Constituição, em seu artigo 37, II, à ?primeira? investidura, nem admitindo que a lei possa dispensar o concurso público de provas e de provas e de títulos, é evidente que caíram por terra os argumentos que compatibilizavam os institutos da transferência e da ascensão (ou acesso) com o artigo 97, § 1o, da Emenda Constitucional no 1/69, por exigir este concurso público de provas ou de provas e títulos para a ?primeira? investidura em cargo público, e serem aqueles institutos formas de provimento derivado de quem já fora investido, originariamente, em cargo público por concurso. (…)


 Com efeito, nenhum dispositivo da atual Constituição, direta ou indiretamente, alude aos institutos da ascensão e da transferência que foram a razão de ser da supressão acima referida. Mas, para que não se pretenda levar ao extremo a necessidade de concurso para qualquer cargo ou emprego público em qualquer circunstância, a própria Constituição abre exceções a formas de provimento derivado que expressamente admite. (…)


 Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento de carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.? (grifou-se).


 Tal entendimento foi pacificado com a edição da Súmula no 685 desse Supremo Tribunal, segundo a qual, in verbis:


  ?É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado a seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.? (grifou-se).


 Assim, verifica-se que a forma de ingresso no ?Quadro de Oficiais Policiais Militares?, no ?Quadro de Oficiais de Administração Policiais Militares? e no ?Quadro Auxiliar de Oficiais Policiais Militares?, de que tratam os dispositivos impugnados não se enquadra nas espécies de provimento derivado constitucionalmente autorizados.


Com relação ao ?Quadro de Oficiais Policiais Militares?, poder-se-ia, hipoteticamente, sustentar tratar-se de forma de provimento derivado, com fundamento no princípio hierárquico que rege a organização militar, consoante o disposto no artigo 42 da Constituição da República, bem como em consideração às atribuições de chefia que lhes são correspondentes.


Todavia, o argumento não merece acolhida, ante à própria literalidade normativa, que dispõe ser o referido quadro ?destinado ao exercício, dentre outras, de funções de comando, chefia e direção dos diversos órgãos da Instituição?. A expressão grifada deixa, portanto, em aberto o conjunto de atribuições do quadro, devendo-se assumir que tais funções de chefia serão exercidas por cargos de níveis superiores dentro da respectiva carreira (Coronel PM, Tenente Coronel PM, por exemplo).


Dessa forma, observa-se que os preceitos censurados violam o artigo 37, inciso II, da Carta Magna, incidindo em notória inconstitucionalidade, razão pela qual merece ser julgada procedente esta ação direta.


  


3. CONCLUSÃO


Pelo exposto, o Advogado-Geral da União manifesta-se pela procedência da ação direta, para que se declare inconstitucional os artigos 6o, parágrafo único, 8o e 9o, da Lei Complementar no 51, de 28 de dezembro de 2001, do Estado de Roraima, ante a violação ao inciso II do artigo 37 da Constituição Federal.


 


São essas, Excelentíssimo Senhor Relator, as considerações que se tem a fazer em face do art. 103, § 3º, da Constituição Federal, e tendo em vista a orientação fixada na interpretação do referido dispositivo nas ADI(s) nº(s) 1.616 e 2.101, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 24.08.2001 e 15.10.2001, respectivamente.


 Brasília, 18 de fevereiro de 2005.


 ALVARO AUGUSTO RIBEIRO COSTA


Advogado-Geral da União


  


SILVIA REGINA PONTES LOPES


Procuradora Federal


________________________________ 
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 276.

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