Parecer nº GM-25 – Sobre a Competência das Polícias Militares

Despacho do Presidente da República sobre o Parecer nº GM-25: 
Aprovo. Em 10.8.2001.
Publicado no Diário Oficial de 13.8.2001.

               Parecer nº GM-25


 Adoto, para os fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73,  de 10 de fevereiro de 1993, o anexo PARECER Nº AGU/TH/02/2001, de 29 de julho de  2001, da lavra da Consultora da União, Dra. THEREZA HELENA S. DE MIRANDA LIMA, e  submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para  os efeitos do art. 40 da referida Lei Complementar.


                                                                   Brasília, 10 de agosto de 2001.


                            GILMAR FERREIRA MENDES
                                             Advogado-Geral da União



 


PARECER Nº AGU/TH/02/2001 (Anexo ao Parecer nº GM-25)



ASSUNTO: As Forças Armadas, sua atuação,  emergencial, temporária, na preservação da ordem  pública. Aspectos relevantes e norteadores de tal atuação.



EMENTA: A Constituição federal, a DEFESA DO ESTADO e  das INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS: as Forças  Armadas; a Segurança Pública, e as polícias  militares. A Lei Complementar nº 97, de 1 999, o emprego das Forças  Armadas na garantia da lei e da ordem após esgotados os  instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das  pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição  Federal. As Polícias Militares, sua competência constitucional  atinente à polícia ostensiva, e à  preservação da ordem pública, e os  atos normativos federais que, anteriores a 5 de outubro de 1 988, foram  recepcionados pela Carta vigente: o Decreto-lei nº 667, com a redação que  lhe conferiu, no ponto, aquele de nº 2 010, de 12 de janeiro de 1 983, o  Decreto nº 88 777, de 30 de setembro de 1 983, pelo qual aprovado o  Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros  Militares (R-200), e, em seus textos, a competência das Polícias  Militares para o policiamento ostensivo, as ações  preventivas e  repressivas, bem como os conceitos de  ordem pública, manutenção da ordem  pública, perturbação da ordem e  policiamento ostensivo. Os aludidos aspectos e  conceitos na lição, atual, da doutrina. Conclusão.




PARECER



Senhor Advogado-Geral da União:



Em cumprimento a determinação verbal de Vossa Excelência,  submeto-lhe — com a urgência recomendada — o presente trabalho, a ter por objeto  a atuação, emergencial, temporária, das Forças Armadas, na  garantia da lei e da ordem pública.



I — A Constituição federal, a Defesa do Estado e das  Instituições Democráticas: as Forças Armadas; a Segurança  Pública e as polícias militares.




A Carta de 1 988, em seu TÍTULO V, trata  Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. E,  no respectivo Capítulo II, tem em foco as Forças Armadas, sobre as quais  dita, e.g.:



As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo  Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,  organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do  Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à  garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de  qualquer destes, da lei e da ordem.



§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais  a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças  Armadas.



§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições  disciplinares militares.



……………………………………………..  (Art. 142.)



Comentando os transcritos ditames constitucionais, e dando  destaque ao relevante papel de nossas Forças Armadas, à sua missão essencial  e àquela que indica secundária e eventual, preleciona JOSÉ AFONSO DA  SILVA:



A Constituição estabelece que as Forças Armadas  são instituições nacionais permanentes e regulares que se destinam à  defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de  qualquer destes, da lei e da ordem (art. 142).



Constituem, assim, elemento fundamental da  organização coercitiva a serviço do Direito e da paz  social. Esta nelas repousa pela afirmação da ordem na órbita  interna e do prestígio estatal na sociedade das nações. São, portanto, os  garantes materiais da subsistência do Estado e da perfeita realização de seus  fins. Em função da consciência que tenham da sua missão está a tranqüilidade  interna pela estabilidade das instituições. É em função de seu poderio que se  afirmam, nos momentos críticos da vida internacional, o prestígio do Estado e a  sua própria soberania.


……………………………………………………



A Constituição vigente abre a elas um capítulo do Título V  sobre a defesa do Estado e das instituições democráticas com a destinação  acima referida, de tal sorte que sua missão essencial é a da defesa da  Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, o que vale  dizer defesa, por um lado, contra agressões estrangeiras em caso de guerra  externa e, por outro lado, defesa das instituições democráticas, pois a  isso corresponde a garantia dos poderes constitucionais, que, nos termos  da Constituição, emanam do povo (art. 1º, parágrafo único). Só subsidiária e  eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque  essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública,  que compreendem a polícia federal e as polícias civil e militar dos Estados e do  Distrito Federal. … (Curso de Direito  Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 19ª edição, 2  001, págs. 749 e 750. Grifos do original; acresceram-se  sublinhas.)



Em síntese, e no que imediatamente pertine a este trabalho,  cabe anotar-se que: a Constituição atribui às Forças Armadas, a par de  sua missão essencial, aquela de defender a lei e a ordem; e  determina que lei complementar disponha sobre a organização, o preparo, e  o emprego das Forças Armadas.



Isso anotado, cumpre registrar que a Lei Maior, em seu  TÍTULO V sob exame, cura, no Capítulo III deste, da Segurança  Pública, dispondo: a segurança pública, dever  do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a  preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do  patrimônio, através dos seguintes órgãos: I — polícia  federal; II — polícia rodoviária federal; III — polícia  ferroviária federal; IV — polícias civis; V — polícias  militares e corpos de bombeiros militares. E, de seguida, a  Constituição fixa, de modo expresso e cristalino, as competências —  específicas e privativas — de cada um dos órgãos incumbidos da  segurança pública (isto é, da preservação da ordem pública e da  preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio): no particular,  a Carta diz que, às polícias militares cabem a  polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. (Cf. art.  144.)



II — A Lei Complementar nº 97, de 1 999, o emprego das Forças  Armadas na garantia da lei e da ordem, após esgotados os instrumentos  destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do  patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.



Em cumprimento do § 1º do art. 142 da Constituição (antes  realçado), adveio, aos 9 de junho de 1 999, a Lei Complementar nº 97,  voltada a dispor sobre as normas gerais para a organização, o preparo  e o emprego das Forças Armadas. Merece registro, de seu  texto, o seguinte passo:





CAPÍTULO V



Do Emprego


 Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da  Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na  participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da  República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de  órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:



I — diretamente ao Comandante Supremo, no caso de Comandos  Combinados, compostos por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando  necessário, por outros órgãos;



II — diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fim de  adestramento, em operações combinadas, ou quando da participação brasileira em  operações de paz;



III — diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada  a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado  de meios de uma única força.



§ 1º Compete ao Presidente da República a decisão do emprego  das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido  manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos  Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos  Deputados.



§ 2º A atuação das Forças Armadas, na garantia  da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais,  ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da  República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem  pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144  da Constituição Federal.



A leitura do transcrito § 2º do art. 15 da Lei Complementar  nº 97 — a referência, nele, à preservação da ordem pública — e a  condição, ali posta, de as Forças Armadas só atuarem, na garantia da lei  e da ordem, após o esgotamento dos instrumentos a tal previstos no art.  144 da Carta Magna, induvidosamente trazem à balha a competência constitucional,  específica, das polícias militares, às quais, reitere-se,  cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem  pública (art. 144, cit.)



E, no mundo dos fatos, as recentes atuações das Forças Armadas  em Estados nos quais o efetivo de suas Polícias Militares então em  atividade se evidenciou insuficiente à garantia da ordem pública, à  preservação da ordem pública, circunstância que levou seus Governadores a  solicitar o auxílio de tropas federais. Tropas federais que, por óbvio, ali  foram para preservar a ordem pública (prevenindo sua violação, e  restaurando-a, se for o caso), a incolumidade das pessoas e a do  patrimônio (público, e privado). Tropas federais que, decerto, se  destinaram a — emergencial e temporariamente — desempenhar as atividades  constitucionalmente conferidas às polícias militares, como se policiais  militares fossem os seus integrantes. Do contrário, bem pouco prestante  seria sua solicitada presença; até porque, vale se repita, as demais  polícias elencadas no art. 144 da Carta têm competências específicas e que  não se confundem com a deferida às Polícias Militares, sendo-lhes,  pois, defeso desenvolver as ações a estas previstas.



Em resumo, o emprego das Forças Armadas em situações que tais  lhes confere o exercício da competência da Polícia Militar cujo  efetivo se tornou — por certo tempo — insuficiente; et pour cause, lhes  impõe os limites, constitucionais e legais, a tal exercício  fixados. Cabem, então, neste trabalho, algumas considerações sobre  uma, e outros.



III – As Polícias Militares, sua competência constitucional  atinente à polícia ostensiva e à preservação da ordem pública, e os atos  normativos federais que, anteriores a 5 de outubro de 1 988, foram recepcionados  pela Carta vigente: o Decreto-lei nº 667, com a redação que lhe conferiu, no  ponto, aquele de nº 2 010, de 12 de janeiro de 1 983, o Decreto nº 88 777, de 30  de setembro de 1 983, pelo qual aprovado o Regulamento para as Polícias  Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200), e, em seus textos, a  competência das Polícias Militares para o policiamento  ostensivo, as ações preventivas e  repressivas, bem como os conceitos de ordem  pública, manutenção da ordem pública,  perturbação da ordem e policiamento  ostensivo.


 Antes se anotou, e reiterou, que, ex vi da  Constituição, às Polícias Militares competem a polícia ostensiva  e a preservação da ordem pública; registre-se, agora, que a  Carta estabelece competir, privativamente, à União, legislar sobre  normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias,  convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros  militares (art. 22, XXI), e também que lei federal disporá sobre  a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e  do corpo de bombeiros militar (art. 32).


 E, isso anotado e registrado, cabe lembrar que a Carta de 1  967/69 dizia serem, as Polícias Militares, instituídas para a  manutenção da ordem pública; e estatuía a competência da  União para legislar sobre organização, efetivos, instrução,  justiça e garantias das polícias militares e condições gerais de sua convocação,  inclusive mobilização. (Cf. arts. 13, § 4º e 8º, XVII, v.)


 Como se vê, a Constituição de 1 988, ao cuidar,  expressamente, da competência das Polícias Militares, deixou claro que,  ademais da responsabilidade quanto à ordem pública,  cabe-lhe a polícia ostensiva. E, no tocante à competência  legislativa da União, manteve no campo de incidência da legislação federal as  Polícias Militares.


 Assim sendo, mereceram recepção pela Carta atual os  atos normativos federais que, em lhe sendo anteriores, tiveram (e têm) em  mira as Polícias Militares, ontem e hoje forças auxiliares e  reserva do Exército, conquanto subordinadas aos Governadores dos  Estados e do Distrito Federal. Dentre esses atos, relevam o Decreto-lei  nº 667, com a letra que lhe conferiu aquele de nº 2 010, de 1 983, e o Decreto  nº 88 777, em seguida editado (30.9.83), pelo qual se aprovou o  Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares  (R-200); sobre um e outro, cabem as anotações a seguir.


 Lê-se, por exemplo, no Decreto-lei nº 2 010, de 1  983:


 Art. 1º Os artigos 3º, 4º, 6º e 7º do  Decreto-lei nº 667, de 2 de julho de 1969, passam a vigorar com a seguinte  redação:


 Art. 3º Instituídas para a manutenção da ordem pública  e segurança interna, nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal,  compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas  jurisdições:


 a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões  peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado,  planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da  lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes  constituídos;


 b) atuar de maneira preventiva, como força de  dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser  possível a perturbação da ordem;


 c) atuar de maneira repressiva, em caso de  perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças  Armadas;


…………………………………………………  .


 Qual se constata, clara emerge, dos dispositivos em foco, a  competência das Polícias Militares quanto à manutenção da  ordem pública e segurança interna, ao asseguramento — ou à  garantia — do cumprimento da lei, da  manutenção da ordem pública e do  exercício dos poderes constituídos, e,  em caso de perturbação da ordem sua  competência de restabelecê-la, restaurá-la. Isso, frise-se, atuando  mediante o policiamento ostensivo, como de modo preventivo  e repressivo, consoante a situação sobre a qual devam exercer  a função policial-militar, a atividade policial-militar.


 E, destacados tais relevantes aspectos, valem trazidos, do  Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros  Militares (R-200) (aprovado pelo Decreto nº 88 777, de setembro  de 1 983), os seguintes excertos:


                                                  CAPÍTULO I


 Das Finalidades


 Art. 1º Este Regulamento estabelece princípios e normas  para a aplicação do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969,  modificado pelo Decreto-Lei n. 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo  Decreto-Lei n. 2.010, de 12 de janeiro de 1983.


                                                 CAPÍTULO II



Da Conceituação e Competência



Art. 2º Para efeito do Decreto-Lei n. 667, de 2 de julho de  1969, modificado pelo Decreto-Lei n. 1.406, de 24 de junho de 1975, e  pelo Decreto-Lei n. 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são  estabelecidos os seguintes conceitos:


……………………………………………………



19 — Manutenção da Ordem Pública: é o exercício dinâmico do  Poder de Polícia, no campo da segurança pública, manifestado por  atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir,  coibir ou reprimir eventos que violem a ordem  pública;


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21 — Ordem Pública: conjunto de regras formais, que  emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações  sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de  convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo Poder de Polícia, e  constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem  comum;


……………………………………………………



25 — Perturbação da Ordem: abrange todos os tipos de  ação, inclusive as decorrentes de calamidade pública que, por sua  natureza, origem, amplitude e potencial possam vir a comprometer na  esfera estadual, o exercício dos poderes constituídos, o cumprimento das leis  e a manutenção da ordem pública, ameaçando a população e propriedades públicas e  privadas.


……………………………………………………



27 — Policiamento Ostensivo: ação policial, exclusiva  das Polícias Militares, em cujo emprego o homem ou a fração de tropa  engajados sejam identificados de relance, quer pela farda, quer  pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem  pública.


…………………………………………………  .



Os aspectos, e os conceitos,  neste passo trazidos à coloção, encontram-se — pede-se vênia para repisar  — em normas editadas em 1 983. Assim sendo, crê-se útil verificar, em nossa  doutrina especializada, como são, hoje, vistos — presente o art. 144 da Carta, o  qual, frise-se, dita que a segurança pública é exercida para a  preservação da ordem pública, e para a preservação  da incolumidade das pessoas e do patrimônio.



IV – Os aludidos aspectos e conceitos na lição, atual, da  doutrina.



Em estudo intitulado A SEGURANÇA PÚBLICA NA  CONSTITUIÇÃO, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO preleciona ser, a  ordem pública, a disposição pacífica e  harmoniosa da convivência pública e afirma que o  referencial ordinatório não é apenas a lei, nem se  satisfaz com os princípios democráticos: ao ver do eminente  publicista, a ordem pública tem uma dimensão moral,  esta diretamente referida às vigências sociais, aos  princípios éticos vigentes na sociedade, próprios de cada  grupo social e, em síntese, a ordem pública deve ser legal, legítima  e moral. Relativamente à segurança pública, assere que esta  é a garantia da ordem pública e, à sua vez, há de ser  legal, legítima e moral. Em respaldo a esse  posicionamento, traz a palavra de Álvaro Lazzarini, a qual indica apoiada nas  lições de Calandrelli, Salvat, Despagnet, Fortunato Lazzaro e Cabanellas.



De seguida, o ilustre Professor refere os diversos níveis  da segurança pública — político, judicial e policial — e sobre este último,  diz:



O nível policial de segurança pública se cinge à  preservação da ordem pública, tal como em doutrina se conceitua,  acrescentando, todavia, o art. 144, caput, da Constituição, a  incolumidade das pessoas e do patrimônio. São, portanto, extensões  coerentes do conceito e que até o reforçam, na medida em que assimilam  as violações à incolumidade pessoal e patrimonial na ruptura de  convivência pacífica e harmoniosa. (Sublinhou-se.)



E, adiante, focalizando o papel das Polícias Militares na  preservação (e no restabelecimento) da ordem pública, tem presentes o art.  144 da Carta federal, e as fases do exercício, pelo Estado, do seu  poder de polícia, para gizar, de modo nítido, a competência das  Polícias Militares, inclusive aquela residual, obtida mediante  remanência. A propósito, disserta:



5 — Preservação e restabelecimento policial-militar da  ordem pública



Essa terceira e especial modalidade, a  policial-militar, se define por remanência: caberá sempre que  não for o caso da preservação e restabelecimento policial da ordem  pública de competência específica e expressa dos demais órgãos  policiais do Estado.



Em outros termos, sempre que se tratar de atuação  policial de preservação e restabelecimento da ordem pública e não for o caso  previsto na competência constitucional da polícia federal (art. 144, I), da  polícia rodoviária federal (art. 144, II), da polícia ferroviária federal (art.  144, III) nem, ainda, o caso em que lei específica venha a definir  uma atuação conexa à defesa civil para o Corpo de Bombeiros Militar (art. 144, §  5º), a competência é policial-militar.


Observe-se que a atuação da polícia civil não é, direta e  imediatamente, de prevenção e restabelecimento da ordem pública e, por isso,  não se confunde com a competência constitucional de atuação  da polícia militar.



Com efeito, a Constituição menciona como missões policiais  militares a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública  (art. 144, § 5º).



Os termos não se referem a atuações distintas senão  que contidas uma na outra, pois a polícia ostensiva se destina,  fundamentalmente, à preservação da ordem pública pela ação dissuasória da  presença do agente policial fardado.



A menção específica à polícia ostensiva tem, no nosso  entender, o interesse de fixar sua exclusividade  constitucional, uma vez que a preservação, termo genérico, está no  próprio caput do art. 144, referida a todas as modalidades de ação  policial e, em conseqüência, de competência de todos os seus órgãos.



Surge, então, aqui, uma dúvida: por que o legislador  constitucional se referiu apenas à preservação, no art. 144,  caput, e seu § 5º, e omitiu o restabelecimento, que  menciona no art. 136, caput?



Não vejo nisso omissão mas, novamente, uma ênfase. A  preservação é suficientemente elástica para conter a atividade  repressiva, desde que imediata.



Com efeito, não obstante o sentido marcadamente  preventivo da palavra preservação, enquanto o problema se contiver a  nível policial, a repressão deve caber aos mesmos órgãos encarregados  da preservação e sob sua inteira responsabilidade.



Para maior clareza, se tem preferido, por isso, sintetizar as  duas idéias na palavra manutenção, daí a alguns autores, parecer até mais  adequada a expressão polícia de manutenção da ordem pública.



Essa atuação, por fim, obedece rigorosamente à partilha  federativa entre as polícias militares estaduais, do Distrito Federal e dos  Territórios (estas, corporações federais).




6 — Polícia ostensiva



A polícia ostensiva, afirmei, é uma expressão  nova, não só no texto constitucional como na nomenclatura da  especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, já aludido, de  estabelecer a exclusividade constitucional e, o segundo, para  marcar a expansão da competência policial dos policiais militares,  além do policiamento ostensivo.



Para bem entender esse segundo aspecto, é mister ter presente  que o policiamento é apenas uma fase da atividade de  polícia.



A atuação do Estado, no exercício de seu poder de  polícia, se desenvolve em quatro fases: a ordem de polícia, o  consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a  sanção de polícia.



A ordem de polícia se contém num preceito,  que, necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva  legal (art. 5º, II), e pode ser enriquecido  discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração. … 



O consentimento de polícia, quando couber, será a  anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade submetida ao  preceito vedativo relativo, sempre que satisfeitos os condicionamentos  exigidos. …




A fiscalização de polícia é uma forma ordinária e  inafastável de atuação administrativa, através da qual se verifica o cumprimento  da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já consentida  por uma licença ou uma autorização. A fiscalização pode ser ex officio ou  provocada. No caso específico da atuação da polícia de preservação da  ordem pública, é que toma o nome de policiamento.



Finalmente, a sanção de polícia é a atuação  administrativa auto-executória que se destina à repressão da infração. No  caso da infração à ordem pública, a atividade  administrativa, auto-executória, no exercício do poder de polícia, se esgota  no constrangimento pessoal, direto e imediato, na justa  medida para restabelecê-la.



Como se observa, o policiamento corresponde  apenas à atividade de fiscalização; por esse motivo, a  expressão utilizada, polícia ostensiva, expande a atuação das  Polícias Militares à integralidade das fases do  exercício do poder de polícia.



O adjetivo ostensivo refere-se à ação  pública da dissuasão, característica do policial fardado e armado,  reforçada pelo aparato militar utilizado, que evoca o poder de uma  corporação eficientemente unificada pela hierarquia e disciplina.



A competência de polícia ostensiva das Polícias  Militares só admite exceções constitucionais expressas: as referentes às  polícias rodoviária e ferroviária federais (art. 144, §§ 2º e 3º), que estão  autorizadas ao exercício do patrulhamento ostensivo, respectivamente, das  rodovias e das ferrovias federais. Por patrulhamento ostensivo não se  deve entender, conseqüência do exposto, qualquer atividade além da  fiscalização de polícia: patrulhamento é sinônimo de  policiamento.



A outra exceção está implícita na atividade-fim de defesa  civil dos Corpos de Bombeiros Militares. O art. 144, § 5º, se refere,  indefinidamente, a atribuições legais, porém esses cometimentos, por  imperativo de boa exegese, quando se trata de atividade de polícia de  segurança pública, estão circunscritos e limitados às atividades-meio  de preservação e de restabelecimento da ordem pública, indispensáveis à  realização de sua atividade-fim, que é a defesa civil. O limite,  portanto, é casuístico, variável, conforme exista ou não a  possibilidade de assumir, a Polícia Militar, a sua própria  atividade-fim em cada caso considerado. (In Revista de  Informação Legislativa nº 109, 1 991, págs. 137 a 148. Grifos do original;  acresceram-se sublinhas.)



A clara, precisa, minudente exposição de DIOGO DE FIGUEIREDO  MOREIRA NETO, a abranger os aspectos e conceitos realçados, neste,  sob III, decerto basta a lançar luz sobre a competência constitucional  das Polícias Militares (C.F, art. 144, cabeça e § 5º), inclusive quanto à sua  atuação repressiva, indispensável na hipótese de infração à  ordem pública (ou de séria ameaça a esta) a qual, nos diz o Professor,  se esgota no constrangimento pessoal, direto e  imediato (do infrator), na justa medida  necessária à restauração da ordem.



Pede-se vênia, entretanto, para, finalizando este passo,  carrear, do igualmente respeitado Professor ALVARO LAZZARINI, no  thema, as seguintes considerações:



agora, às Polícias Civis compete o exercício de atividades de  polícia judiciária, ou seja, as que se desenvolvem após a prática  do ilícito penal e, mesmo assim, após a repressão imediata por parte do  policial militar que, estando na atividade de polícia ostensiva,  tipicamente preventiva e, pois, polícia administrativa, necessária e  automaticamente, diante da infração penal que não pode evitar, deve  proceder à repressão imediata, tomando todas as providências  elencadas no ordenamento processual para o tipo penal que,  pelo menos em tese, tenha ocorrido.




Lembre-se que a repressão imediata pode ser exercida  pelo policial militar, sem que haja violação do dispositivo  constitucional, pois, quem tem a incumbência de preservar a ordem  pública, tem o dever de restaurá-la, quando de sua violação.


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De outro lado, e ainda no exemplo, às Polícias  Militares, instituídas para o exercício da polícia ostensiva e  preservação da ordem pública (art. 144, § 5º), compete todo o universo  policial, que não seja atribuição constitucional prevista para os  demais seis órgãos elencados no art. 144 da Constituição da República de 1  988.



Em outras palavras, no tocante à preservação da ordem  pública, às Polícias Militares não só cabe o exercício da polícia  ostensiva, na forma retro examinada, como também a competência  residual de exercício de toda atividade policial de segurança pública  não atribuída aos demais órgãos.



A competência ampla da Polícia Militar na preservação da  ordem pública engloba inclusive, a competência específica dos demais  órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de  greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda  incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a  Polícia Militar como um verdadeiro exército da sociedade. Bem por isso as  Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem  pública para todo o universo da atividade policial em tema da  ordem pública e, especificamente, da segurança pública.


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A proteção às pessoas físicas, ao povo,  seus bens e atividades, há de ser exercida pela Polícia  Militar, como polícia ostensiva, na preservação da ordem  pública, entendendo-se por polícia ostensiva a instituição policial que  tenha o seu agente identificado de pleno, na sua autoridade  pública, simbolizada na farda, equipamento, armamento  ou viatura. Note-se que o constituinte de 1 988 abandonou a expressão  policiamento ostensivo e preferiu a de polícia ostensiva, alargando o  conceito, pois, é evidente que a polícia ostensiva exerce o  Poder de Polícia como instituição, sendo que, na amplitude de seus atos,  atos de polícia que são, as pessoas podem e devem identificar de relance  a autoridade do policial, repita-se, simbolizada na sua farda,  equipamento, armamento ou viatura. (Da  Segurança Pública na Constituição de 1 988. Revista de Informação  Legislativa, nº 104, 1 989, págs. 233 a 236. Do autor, os destaques;  sublinhou-se.)





V – Conclusão



O emprego, emergencial e temporário, das Forças Armadas,  na garantia da lei e da ordem viu-se ocorre  após esgotados os instrumentos destinados à preservação da  ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,  relacionados no art. 144 da Constituição Federal (cf. Lei  Complementar nº 97, de 1 999, art. 15, § 2º). Em outras palavras: o  aludido emprego das Forças Armadas tem por finalidade a  preservação (ou o restabelecimento) da ordem pública, inclusive pelo  asseguramento da incolumidade das pessoas e do patrimônio (público, e privado).  E a realçada preservação (ou restabelecimento) é da  competência das Polícias Militares, nos termos da Lei Maior.



Em tais situações, portanto, as Forças Armadas, porque  incumbidas (emergencial e temporariamente) da preservação, ou do  restabelecimento, da ordem pública, devem desempenhar o papel de Polícia  Militar, têm o dever de exercitar — a cada passo, como se fizer  necessário a competência da Polícia Militar. Decerto, nos  termos e limites que a Constituição e as leis impõem à própria Polícia  Militar (v., por exemplo, do art. 5º da Carta, os incisos: II;  III, parte final; XI e XVI).



Isto posto, neste trabalho buscou-se debuxar a  competência das Polícias Militares, consoante indicada na Lex  Legum e na legislação infraconstitucional, e vista pela doutrina. Tudo no  fito de evidenciar os principais poderes-deveres de que dispõem, os quais  frise-se devem ser utilizados pelas Forças  Armadas, na situação em foco neste estudo, a cada vez que tal uso se  faça necessário.



Referidos poderes-deveres, crê-se, convém sejam  considerados no aviamento do texto que conterá as  diretrizes a serem baixadas em ato do  Presidente da República, no thema.




Esse, Senhor Advogado-Geral da União, o parecer,  s.m.j.


                                      Brasília, 29 de julho de 2001.


  


                   Thereza Helena S. de Miranda Lima


                                           Consultora da União

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